seg, 07/05/2018 - 07:17
Atualizado em 07/05/2018 - 11:20
PT: construindo uma nova derrota?
por Aldo Fornazieri
O
PT vem colhendo derrotas sucessivas desde o início de 2015. Erros de
avaliação, imobilismo e falta de comando foram os principais móveis
dessa desditosa caminhada. A rigor, os sinais de perda de combatividade e
virtude já se verificavam nas eleições de 2014. Na reta final do embate
entre Dilma e Aécio foi a mobilização de setores da sociedade civil, da
intelectualidade e de petistas afastados e desgostosos que garantiu a
vitória ante a ameaça do triunfo do tucano.
Nas
andanças pelas sendas espinhosas das derrotas o mais duro revés foi ter
sido o PT apeado do poder pelo golpe do impeachment. A segunda
vicissitude duríssima, que se equivale à primeira, consiste em ver Lula
preso, com forte tendência de ficar fora do pleito de 2018. No meio
desses dois tormentos, o devastador resultado das eleições municipais de
2016, que reduziu praticamente pela metade o número de prefeituras
comandadas pelo partido. Se o PT não havia respondido de forma
satisfatória ao longo de todo o processo do golpe-impeachment, o mesmo
aconteceu durante via crucis judicial de Lula. A direção pareceu
acreditar mais nos juízes e nos embates advocatícios do que na
mobilização social.
Acomodado
às sombras do poder nos anos de bonança, adoentado pelo burocratismo,
comandado por direções fracas nas últimas gestões, o PT foi perdendo o
vigor da luta e as virtudes do combate dos tempos de ascensão, ao mesmo
tempo em que foi perdendo a capacidade de formulação e enfraquecendo sua
competência para ler corretamente as conjunturas e de deduzir ações
eficazes a partir dessas leituras.
O
PT dos últimos tempos está longe de ser o PT dos comandos de Lula, de
José Dirceu e de José Genoino. Naqueles tempos, o partido tinha unidade
de comando, mesmo sendo uma agremiação de formação plural. Já em 2014
Lula fez várias admoestações sobre a necessidade de o PT mudar, se
renovar, se revigorar. A rigor, com a atual direção, ocorre o mesmo que
ocorria durante o movimento pela derrubada de Dilma: os dirigentes são
generais sem exército e os militantes são um exército sem generais.
A
partir de uma tática correta - a de manter a candidatura Lula - a
direção do PT vem dando sinais, nas últimas semanas, de que está
disposta a construir uma nova derrota. A presidente do partido, Gleisi
Hoffmann, vem se especializando em dar declarações politicamente
inconvenientes. O seu maior feito nesta arte consistiu em emitir uma
nota em defesa do mandato de Aécio Neves quando o STF o havia
suspendido.
Agora,
declarou que o nome de Ciro Gomes não passa no PT "nem com reza brava".
Declaração desnecessária e inconveniente. Rendeu-lhe uma retribuição de
Ciro dizendo que sente pena dela. Ademais, a declaração derruba pontes
num momento em que é preciso agregar as forças progressistas para
enfrentar a direita, o conservadorismo e o neofascismo. Mas parece que
Gleisi e outros dirigentes do PT estão dispostos a empurrar forças para o
lado do inimigo.
A
partir da declaração de Gleisi as redes sociais foram tomadas por uma
onda de sectarismo de setores petistas contra Ciro. Engraçado que estes
setores se incomodam com Ciro e não se iraram com Michel Temer, repetido
duas vezes como vice de Dilma. Agora, tomados pela síndrome da traição,
adquirida com Temer e sua quadrilha, já antecipam uma suposta traição
de Ciro. Não se pode negar a Ciro o direito de fazer o que Lula fez:
tornar-se palatável às elites (Carta ao Povo Brasileiro) e encaminhar
uma reforma da Previdência, entre outras coisas. Um eventual governo
Ciro será conciliador como foram os governos petistas e como será um
eventual novo governo do PT. Quem não concorda com este caminho precisa,
por coerência, votar em Guilherme Boulos.
Gleisi
e os setores sectários do PT deveriam aprender com Boulos e Manuela:
mesmo criticados inúmeras vezes por petistas, colocaram-se na linha de
frente na solidariedade a Lula e na defesa do direito de ele ser
candidato. Boulos, inclusive, convenceu a maior parte do PSol, partido
recorrentemente atacado por petistas, a defender Lula. A liderança
política, além da coragem, precisa ter autocontrole, não deixar se
dominar pelas emoções próprias descurados das consequências políticas
que eles proporcionam. Dirigentes não podem jogar palavras ao vento sem
pressupor que elas não geram consequências.
Parece
que o PT não consegue se curar do vício da arrogância - mal adquirido
quando o partido estava no poder. O PT quer a solidariedade de todos,
mas se mostra pouco propenso a ser solidário com os outros; quer a
compreensão de todos e se mostra pouco compreensivo com os erros e com
os acertos dos outros. Sua arrogância o leva para o unilateralismo e
para o isolamento. Pensa ser a encarnação de uma verdade superior e não
aceita críticas. Vê-se portador de um destino manifesto e não consegue
aceitar a ideia de que boa parte da crise que está aí se deve aos seus
erros. Foge de sua responsabilidade.
Aqui
é preciso registrar duas coisas: o PT tem um imenso capital político e
social acumulado por mais de três décadas de lutas. Os dirigentes do
partido e seus setores sectários não têm o direito de destruir esse
capital, pois ele pertence ao povo. Da mesma forma em que foi erguido,
pode ruir se não houver virtude e competência para comandá-lo. A virtude
combativa e a boa fortuna podem estar se deslocando para outros pontos e
encarnar-se em outros partidos e outros líderes. Sem as virtudes e a
capacidade de comando de outrora, a direção do PT não consegue mais
manter a fidelidade daqueles tempos. Em que pese toda a mobilização de
vontades em torno de Lula, o fato é que a direção partidária suscita
muitas desconfianças.
Da tática correta à estratégia da ilusão
Gleisi
e outros dirigentes vêm declarando que Lula sairá da prisão para a
presidência da República. De três uma: ou se acredita que o Judiciário
libertará Lula, algo inverossímil até o momento; ou se acredita que o PT
tem força de mobilização capaz de libertá-lo, coisa que não está sendo
vista; ou se acredita que Lula é um novo Daniel, que será salvo na cova
dos leões pelo Anjo do Senhor. Admitindo-se a hipótese de que Lula seja
liberto nesta semana pelo STF, haverá pela frente a enorme encrenca da
viabilização legal de sua candidatura.
Dizer
que Lula sairá da cadeia para a presidência da República cria, na
militância, a crença de uma vitória sagrada. Criaram-se crenças em torno
do "não passarão", do "nenhum direito a menos" etc., e tudo ruiu. A
condução errada do partido vai gerando a despolitização de uma
militância ressentida que vai assumindo a tese igualmente despolitizada
do "Lula ou nada".
Assim,
da tática correta da manutenção da candidatura Lula, dirigentes
petistas parecem estar construindo a estratégia da ilusão. O que fazem
com isso? Correm todos para o muro das lamentações e choram o infortúnio
de Lula, fazem a exegese de seu sofrimento. Enquanto isso a política
real continua correndo e o PT bloqueia a sua própria tática, se ausenta
do debate eleitoral e programático e não oferece uma perspectiva de
poder. A sua perspectiva está encarcerada em Curitiba, exilada no
silêncio e na dúvida.
É
um direito de qualquer partido, que tenha condições para tal, querer
exercer a hegemonia de um campo político determinado, dirigindo-o,
agregando-o, ampliando-o e reforçando-o. Mas hegemonia implica
concessões aos aliados, capacidade persuasiva de convencer esse campo
pela justeza das propostas, da distribuição do poder e da capacidade e
virtude de comando.
Hegemonia
é diferente do hegemonismo. Este significa a tentativa de imposição
pela força real ou pressuposta e/ou pela suposição de uma superioridade
qualquer. Normalmente, o hegemonismo é exercido por forças políticas (e
militares) que alcançaram o poder em seus patamares mais altos. Quando o
hegemonismo se manifesta em um Império, Estado ou partido é um sinal de
declínio e decadência. Tais forças não conseguem mais manter as
lealdades pela evidência de sua força própria e pela justeza de suas
propostas e de seu comando.
O
mundo partidário brasileiro, ou o que resta dele, caminha para uma
redefinição de campos e de linhas de força. À esquerda do PT, parte do
que era hegemonizado por ele se desgarrou, como é o caso do PCdoB e,
parte, busca constituir-se como uma força própria, que é o PSol. Outros
parceiros do PT, o PSB e o PDT, também buscam caminhos próprios. Os
principais aliados do PT em seus governos - o PMDB e partidos do centrão
- foram para o golpe. Se Lula puder concorrer e vencer, o PT poderá
ganhar tempo para se reconstituir, buscar um prumo, lembrando sempre que
o poder torna arrogantes forças pouco virtuosas, degradando-as. Se
Lula não concorrer, o PT será submetido a poderosas forças centrífugas
internas e externas e terá que enfrentar a sua própria verdade - algo
que não fez até agora.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
Nenhum comentário:
Postar um comentário