Vendo a performance de Guilherme Boulos no Roda Viva do dia 7 de
maio uma ideia que me persegue há meses ganhou cores ainda mais fortes. A
ideia é a de que não haverá eleições esse ano.
Nada além de minha especulação criativa sustenta o que escrevi acima,
mas alguns pontos teimam em ficar reforçando a minha paranóia.
O primeiro deles é pensar que a direita, representada, financiada e
alavancada pelo poder economico, não teria elaborado e cumprido o
bem-sucedido golpe parlamentar para correr o risco de perder o poder
logo depois.
O teatro da democracia, até aqui tricotado com o apoio da mídia e do
judiciário, seria sustentado caso um dos candidatos da direita, estando
Alckmin como o nome de consenso, aparecesse bem nas pesquisas de
intenção de votos.
Mas Alckmin se mostra, outra vez, um nome sem nenhum apelo popular, e
não há outro possível, nem mesmo Bolsonaro, que, a despeito de todo o
despreparo político e humanitário, seria abraçado pela direita se fosse
essa a única alternativa para se manter no poder.
As urnas, para a direita, não parecem ser boa opção. Isso, claro, há quase 20 anos.
E por que a direita já não mais alcança a população? Porque fica
difícil convencer a população de que medidas como a perda de direitos
trabalhistas é bastante boa para ela e que esse tipo de iniciativa está
sendo tomada para o bem da Nação.
Como explicar ao caixa do supermercado que a jornada de 12 horas vai
ser benéfica para ele? Como dizer ao trabalhador do campo que, para uma
vida melhor, ele agora pode receber o salário em alimentos? Como contar
que trabalhar mais e ganhar menos é uma ideia excelente?
E que os planos de saúde têm que ser maior do que o SUS? Como
convencer de que privatizar os parques e cobrar entrada é, na real,
muito bom para o trabalhador e sua família? Como dizer que o Brasil,
afinal, não precisa de indústria de ponta e que mais vale vender tudo
para a gringa?
Como desenhar que o congelamento de investimentos em educação por 20
anos é medida tomada em benefício dos mais pobres? Ou que o corte do
fornecimento gratuito de leite para famílias de baixa renda é o que vai
fazer com que aquelas pessoas, finalmente, desabrochem economicamente?
A cartilha de crenças da direita não tem mais adesão simplesmente
porque ela é cruel, desumana e já não está minimamente conectada à
realidade. O afastamento das coisas reais é tão brutal que passa a ser
razoável dizer coisas como “os prédios estão sofrendo com as invasões”,
ou “as ruas estão castigadas com os sem-teto”. É a mais completa
inversão de valores, tudo em nome do lucro de poucos e da miséria de
muitos.
Como, então, construir uma plataforma com essas bases e buscar apoio popular para ganhar no voto?
Em etapas.
Para tentar se manter no poder sob uma finíssima camada de democracia
os mesmos interesses que deram o golpe tiveram que inviabilizar o
candidato que seria capaz de unir as esquerdas e de ganhar a eleição com
ampla maioria popular. Criaram uma história que não se sustenta, que
precisou driblar a constituição e criar leis às pressas, e que contou
com o apoio do judiciário. Acharam que tirando Lula de cena o caminho
estaria livre e que ficariam protegidos para seguir com teatro da
democracia e ganhar no voto. Mas as pesquisas indicam o oposto.
E aí entra a retórica de Guilherme Boulos e toda a esquerda de hoje.
A diferença de preparação, de elegância e de conhecimento entre
Boulos e a turma da direira – Alckmin, Dória, Bolsonaro – é tão
escandalosamente palpável que não existe chance de um debate entre eles
ter algum resultado que não seja uma goleada para Boulos. Vou incluir
aqui Ciro Gomes e Manuela D’ávila, outros dois que, a despeito das
diferenças, estão conectados com as necessidades da população.
No Roda-Viva do dia 7 de maio Boulos destruiu, com a maior elegância
do mundo, a bancada, quase toda formada por gente de direita e que
estava ali babando para encurralá-lo. Mas não há como fazer isso porque
tudo o que a direita tem como argumentos é uma cartilha defasada, que
não se baseia mais na realidade, que está distante das necessidades, dos
sonhos da população e que encontra porta-vozes como Alexandre Frota,
Janaina Paschoal e Luana Piovani.
Durante o Roda Viva os jornalistas da bancada jogavam à mesa, com
perguntas longas, suas crenças macro-econômicas, cheias de uma linguagem
feita para que pouca gente entenda, e Boulos respondia com a
micro-economia que todos nós somos capazes de entender. Fazia muito
tempo que a diferença entre as ideologias de esquerda e de direita não
ficava tão escancaradamente nítida em um programa de TV. O que se viu
Boulos fazendo no Roda Viva foi, para dizer o mínimo, um horror
devastador para a direita.
A desigualdade chegou a um ponto sem volta, que fez nascer na
população miserável um brutal interesse pela política. Até os motoristas
de taxi de São Paulo, antes tão psdbistas, hoje já não se veem mais
representados pelo poder que está aí.
Achar que essa gente esquecida não manja nada de política é a base do
neo-liberalismo, cujo discurso é o de eleger homens escolarizados,
bem-vestidos, ricos e que, por todas essas qualidades, estão mais
preparados para dizer o que a população precisa. Uma turma que acredita
estar de fato à frente de tudo e de todos, e por ser tão superior é
capaz de guiar e de orientar.
Para se manter no poder essa turma contava com uma recuperação
economica que obviamente não veio, ainda que os meios de comunicação
tentem desesperadamente falar em crescimento de 1% e em diminuição de
0,01% no valor da compra de imóveis.
O colapso social da Nação já não sustenta mais esses homens de
sapatos caros, dentes super-brancos e cabelos bem aparados. O máximo da
transgressão para os Dorias da vida são as calças muito justas e as
camisas sociais de gola ao contrário.
Não há mais retórica que eleve a direita à condição de favorita. Nem
mesmo o apoio da mídia. Acontece que o golpe custou caro, há
compromissos estabelecidos com gente graúda além-mar, e eu acho que o
poder não vai ser entregue assim de bandeja para um Ciro da vida. Não
acho que a turma do golpe vá permitir isso.
Como melariam as eleições eu não tenho a menor ideia, mas o medo
sempre foi uma eficaz arma de dominação e a história está repleta de
circunstâncias nas quais a população, apavorada e encurralada, ergue as
mãos para cima e grita ao poder público: protejam-me a qualquer custo. E
vamos lembrar que se trata de uma galera tem a seu lado aquela outra
turma cheia de tanques, de fuzis e de patentes.
Seja como for, a verdade que fica a cada dia mais evidente é que
nunca teve a ver com combate a corrupção; sempre teve a ver com
recuperar o poder, e agora tem a ver com se manter no poder. Não me
parece de verdade que vai ser pelas urnas.
Espero muito estar enganada, mas a performance devastadora de Boulos
no Roda Viva de ontem segue aqui me dizendo que eu talvez esteja certa.
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