Entenda o que está em jogo (e as polêmicas) com a PEC que limita o gasto público
Nesta
segunda-feira, o plenário da Câmara aprovou em primeira votação a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, principal aposta do governo
Michel Temer para colocar as contas públicas em ordem. A medida, que
estabelece um teto para o crescimento das despesas, está causando
polêmica por congelar os gastos durante vinte anos e alterar o
financiamento da saúde e da educação no Brasil.
Foram 366 votos a
favor do texto, 11 contra e duas abstenções. Eram necessários 308 votos
favoráveis para que o texto fosse aprovado - 58 a menos do que atingiu.
Haverá uma nova votação prevista para o fim deste mês e só depois o
projeto segue para o Senado.
De um lado, a PEC é considerada
necessária para reduzir a dívida pública do país - que está em 70% do
PIB (soma das riquezas produzidas) - e tirá-lo da crise fiscal. Do
outro, é vista como muito rígida e criticada por, em tese, ameaçar
direitos sociais.
Afinal, o que está em jogo com a aprovação do texto?
A BBC Brasil ouviu economistas para explicar o que diz a proposta e quais são seus pontos mais debatidos.
O que diz a PEC?
A
PEC 241 fixa para os três poderes - além do Ministério Público da União
e da Defensoria Pública da União - um limite anual de despesas.
Segundo
o texto, o teto será válido por vinte anos a partir de 2017 e consiste
no valor gasto no ano anterior corrigido pela inflação acumulada nesses
doze meses. A inflação, medida pelo indicador IPCA (Índice Nacional de
Preços ao Consumidor Amplo), é a desvalorização do dinheiro, quanto ele
perde poder de compra num determinado período.
Dessa forma, a
despesa permitida em 2017 será a de 2016 mais a porcentagem que a
inflação "tirou" da moeda naquele ano. Na prática, a PEC congela as
despesas, porque o poder de compra do montante será sempre o mesmo.
Caso
o teto não seja cumprido, há oito sanções que podem ser aplicadas ao
governo, inclusive a proibição de aumento real para o salário mínimo.
Mais
do que colocar as contas em ordem, o objetivo da PEC, segundo
mencionado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, seria
reconquistar a confiança dos investidores. A aposta da equipe econômica é
que a medida passe credibilidade e seja um fator importante para a
volta dos investimentos no Brasil, favorecendo seu crescimento.
O teto ameaça saúde e educação?
Um
dos principais questionamentos é que, ao congelar os gastos, o texto
paralisa também os valores repassados às áreas de saúde e educação, além
do aplicado em políticas sociais. Para esses setores, a regra começa a
valer em 2018, usando o parâmetro de 2017. A mudança foi incluída no
relatório feito pelo deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), relator da
proposta na comissão especial da Câmara.
Segundo os críticos,
tais restrições prejudicariam a qualidade e o alcance da educação e da
saúde no país. Hoje, os gastos com esses segmentos podem crescer todo
ano. As despesas com saúde, por exemplo, receberam um tratamento
diferenciado na Constituição de 1988, a fim de que ficassem protegidas
das decisões de diferentes governos.
A regra que vale hoje é que
uma porcentagem mínima (e progressiva) da Receita Corrente Líquida da
União deve ir para a saúde. Essa porcentagem, de 13,2% neste ano,
chegaria a 15% em 2020. Como a expectativa é de que a receita cresça, o
valor repassado também aumentaria. No relatório da PEC, esses 15% foram
adiantados para 2017 e então ficariam congelados pelo restante dos 20
anos.
Para o professor de economia da Unicamp Pedro Rossi, essas mudanças afetam sobretudo os mais pobres.
"A
população pobre, que depende mais da seguridade social, da saúde, da
educação, vai ser prejudicada. A PEC é o plano de desmonte do gasto
social. Vamos ter que reduzir brutalmente os serviços sociais, o que vai
jogar o Brasil numa permanente desigualdade."
Rossi diz que a
medida não faz parte de um sistema de ajuste fiscal, mas de um projeto
de país no qual o governo banca menos as necessidades da população.
Além
disso, argumenta a professora da PUC-SP Cristina Helena de Mello, é
inadequado colocar um teto para os gastos com saúde, porque não dá para
prever como os atendimentos vão crescer.
"Você pode ter movimentos migratórios intensos,
aumento da violência e das emergências, aumento dos nascimentos. Vai ter
hospital superlotado, com dificuldade para atender."
Segundo a
professora, com a PEC, o acesso das próximas gerações a esses serviços
públicos fica comprometido: "estamos prejudicando vidas inteiras"
No
meio do caminho entre grupos contrários e favoráveis, a professora da
FGV Jolanda Battisti diz que entende as posições críticas à PEC, mas
pondera que é necessário escolher entre "dois males".
"Muitas pessoas nesse debate não enxergam o dilema real: se não contermos a crise agora, a inflação vai aumentar muito."
Ela
diz que o país está à beira de uma crise fiscal. Se o governo não
consegue aumentar a receita para pagar os juros de sua dívida nem cortar
gastos, explica Battisti, ele precisa pressionar o Banco Central a
imprimir mais dinheiro - e a inflação sobe.
De acordo com a
professora, o tamanho do prejuízo na saúde e na educação vai depender de
como os cortes serão feitos. Se eles atacarem a máquina burocrática, e
não as escolas, podem ser menos danosos. O importante, diz, é preservar a
ponta: a sala de aula.
O que preocupa Battisti é o perfil dos cortes propostos até agora pelo governo.
"Na
minha percepção, os congelamentos que estão acontecendo atingem as
transferências para a população, como o seguro-desemprego, e não os
gastos correntes, como os salários de funcionários públicos. Isso é
muito ruim, porque as pessoas precisam dessa garantia para pagar seus
compromissos. É uma coisa que numa economia avançada seria impensável."
No entanto, há quem acredite que os cortes serão feitos da forma correta, melhorando a gestão dessas áreas.
O
professor de Economia do Insper João Luiz Mascolo afirma que não é uma
questão de quantidade de dinheiro, mas de colocá-lo no lugar certo. Para
ele, não faltam recursos, falta boa administração.
O coro é engrossado pelo economista Raul Velloso, para quem "o Brasil sempre gasta mais do que precisa".
"A
gente tem muita gordura no gasto. Se queimar essa gordura, está de bom
tamanho. E estamos partindo de uma base que não é assim tão pequena.
Numa situação tão complicada, crescer pela inflação, variável constante,
não é uma coisa tão apertada."
Ele argumenta que, no relatório
apresentado à comissão especial da Câmara, saúde e educação receberam um
tratamento especial, com o teto valendo a partir de 2018. Isso daria
uma "folga inicial" na aplicação da regra.
Mesmo se o dinheiro for
insuficiente em algum ponto, Velloso e Mascolo dizem que valores podem
ser retirados de outros setores para cobrir essas necessidades. Além
disso, afirmam, o período de dez anos - depois do qual o presidente pode
propor mudança no formato da correção - não seria assim tão longo.
"As
pessoas esquecem é que o gasto (afetado) é global. A mensagem central é
que o gasto total da união não cresça mais do que a inflação. É uma
tentativa de organizar as contas. Tem a possibilidade de alterar em dez
anos. É um sinal de que vão conseguir retomar o controle da dívida em
uma década".
Vinte anos é um bom prazo?
Outro
ponto de discussão é a duração da PEC. Para uns, ela é uma medida muito
rígida para durar tanto tempo, e deveria ser flexível para se adaptar
às mudanças do país. Para outros, um período tão extenso passa a
mensagem de que o Brasil está comprometido com o equilíbrio das contas.
A
professora Cristina de Mello, da PUC-SP, faz parte do primeiro grupo.
Ela diz que, se houver uma queda abrupta da arrecadação, por exemplo, a
dívida aumentaria, porque os gastos serão congelados em um patamar alto.
Segundo Mello, o argumento de que uma medida de longo prazo
passa mais credibilidade é falacioso. Isso porque, se antes do prazo de
dez anos, o governo precisar mexer em alguma regra, a PEC gerará
desconfiança.
"Se daqui a alguns anos, for necessário fazer um
gasto maior e mudar o índice de inflação por outro mais confortável, vai
haver descrença. Por que escolheram esse critério e não outro? Pode
haver maquiagem de dados."
Ela afirma que o texto é também uma
estratégia para não ter que aprovar o orçamento no Congresso todos os
anos, como acontece hoje.
"Imagina se tiver uma catástrofe, uma
epidemia de zika, que vai exigir gastos maiores. A sociedade vai
pressionar o governo e ele vai se resguardar no teto, podendo cortar
outras coisas. É uma estratégia de negociação."
Ao tirar o Congresso dessas decisões, o professor Pedro Rossi, da Unicamp, considera a medida antidemocrática.
"O Congresso não vai poder moldar o tamanho do orçamento. Por consequência, a sociedade também não."
Para
a Secretaria de Relações Institucionais da Procuradoria-Geral da
República, a medida também fere a Constituição. A Secretaria enviou ao
Congresso uma nota técnica dizendo que as alterações da PEC são
"flagrantemente inconstitucionais, por ofenderem a independência e
autonomia dos Poderes Legislativo e Judiciário" e a autonomia do
Ministério Público. Segundo a nota, o prazo de vinte anos é "longo o
suficiente para limitar, prejudicar, enfraquecer" o desempenho das
instituições do Sistema de Justiça. O Planalto respondeu dizendo que o
limite será igual para todos os poderes.
Do outro lado, Jolanda
Battisti, da FGV, afirma que o prazo representa que o governo está
"comprando tempo" para colocar a dívida sob controle.
"É como se uma pessoa endividada que diz que vai te pagar de volta, mas só dez reais por semana, e não em grandes prestações."
Um
plano de longa duração, afirma, substitui ações mais drásticas, como
aumentar impostos ou cortar despesas imediatamente, o que poderia
agravar o desemprego.
O professor do Insper João Luiz Mascolo
argumenta que vai levar alguns anos para que alcancemos o superavit
primário (dinheiro que sobra nas contas do governo e serve para pagar os
juros da dívida). Hoje, temos deficit primário, ou seja, não sobra
dinheiro.
"Ainda vamos ter um pico antes da dívida começar a cair.
Por isso a PEC é longa, tem uma inércia nessa conta. Ela não vai trazer
o deficit para zero em um ano"
O economista Raul Velloso,
ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento
(governo Sarney) aposta na revisão desse período do futuro.
"Se
chegarmos a conclusão de que é muito longo e a dívida já diminuiu,
revemos. Mas agora estamos numa crise muito séria, não podemos arriscar.
É um tiro só."
Havia outras opções?
A
necessidade do Brasil de arrecadar mais do que gasta é um consenso entre
os economistas. Mas ele discordam sobre a melhor forma de fazê-lo.
Haveria alternativas a um teto de 20 anos? Ele é a melhor escolha?
Para Mascolo, do Insper, sim.
Ele
diz que já era hora de focar nos gastos do governo. Antes, a situação
fiscal era analisada pelo superavit primário (o quanto sobra nas contas
para pagar os juros da dívida). Quanto maior o resultado do superavit,
melhor a situação fiscal.
"Finalmente o governo decidiu atacar as
despesas. A receita fica em aberto, mas a premissa é que a economia vai
crescer e você vai arrecadar mais."
Holandesa, a professora da
FGV Jolanda Battisti diz que o teto é uma referência de inovação e é
aplicado em países como Holanda, Finlândia e Suécia. No entanto,
pondera, lá tem um prazo de três ou quatro anos e é discutido nos ciclos
eleitorais, promovendo debates frequentes sobre as contas públicas. No
Brasil, esse é um modelo que poderia ser adotado, afirma.
Outra
opção à PEC, segundo a professora Cristina de Mello, seria reduzir as
despesas com juros, que em 2015 ficaram em R$ 367 bilhões. O número é o
mais alto da série histórica da Secretaria do Tesouro Nacional, iniciada
em 2004.
Os juros são pagos para as pessoas que compram títulos
públicos, uma forma de investimento que serve para o governo arrecadar
dinheiro. Quando alguém compra um título, esse valor foi para o governo.
Em contrapartida, depois de um tempo, ele paga juros a essa pessoa, o
que representa o rendimento do papel.
"Esse gasto não está na
PEC. A Alemanha, por exemplo, tem uma dívida muito alta e o esforço que
fizeram foi diminuir as despesas com os juros, não com o bem-estar
social."
Para Pedro Rossi, da Unicamp, o aumento dos impostos
seria uma forma de aumentar a arrecadação e melhorar as contas. Ele diz
que as grandes fortunas não são taxadas e, com a PEC, essa discussão se
perde. Rossi nega o argumento de que não haveria um clima favorável para
abordar a alta de impostos.
"Há um travamento do debate de
maneira autoritária. Você tem ambiente político para destruir gasto
social, mas não dá para rever carga tributária?"
10 perguntas e respostas sobre a PEC 241
Por Laura Carvalho.
Organizei 10 perguntas e respostas sobre a
PEC 241, com base na minha apresentação de terça-feira, dia 11 de
outubro de 2016, na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. Espero
que ajude aqueles que estão sendo convencidos pelo senso comum. Lembrem-se: o orçamento público é muito diferente do orçamento doméstico.
1. A PEC serve para estabilizar a dívida pública?
Não. A crise fiscal brasileira é
sobretudo uma crise de arrecadação. As despesas primárias, que estão
sujeitas ao teto, cresceram menos no governo Dilma do que nos dois
governos Lula e no segundo mandato de FHC. O problema é que as receitas
também cresceram muito menos — 2,2% no primeiro mandato de Dilma, 6,5%
no segundo mandato de FHC, já descontada a inflação. No ano passado, as
despesas caíram mais de 2% em termos reais, mas a arrecadação caiu 6%.
Esse ano, a previsão é que as despesas subam 2% e a arrecadação caia
mais 4,8%.
A falta de receitas é explicada pela
própria crise econômica e as desonerações fiscais sem contrapartida
concedidas pelo governo e ampliadas pelo Congresso. Um teto que congele
as despesas por 20 anos nega essa origem pois não garante receitas, e
serve para afastar alternativas que estavam na mesa no ano passado, como
o fim da isenção de 1995 sobre tributação de dividendos, o fim das
desonerações e o combate à sonegação. A PEC garante apenas que a
discussão seja somente sobre as despesas.
A PEC também desvia o foco do debate
sobre a origem da nossa alta taxa de juros — que explica uma parte muito
maior do crescimento da dívida, já que refere-se apenas às despesas
primárias federais. Uma elevação da taxa de juros pelo Banco Central tem
efeito direto sobre o pagamento de juros sobre os títulos indexados à
própria taxa SELIC, por exemplo — uma jabuticaba brasileira.
A PEC é frouxa no curto prazo, pois
reajusta o valor das despesas pela inflaçã o do ano anterior. Com a
inflação em queda, pode haver crescimento real das despesas por alguns
anos (não é o governo Temer que terá de fazer o ajuste). No longo prazo,
quando a arrecadação e o PIB voltarem a crescer, a PEC passa a ser
rígida demais e desnecessária para controlar a dívida.
2. A PEC é necessária no combate à inflação?
Também não. De acordo com o Banco
Central, mais de 40% da inflação do ano passado foi causada pelo
reajuste brusco dos preços administrados que estavam represados
(combustíveis, energia elétrica…). Hoje, a inflação já está em queda e
converge para a meta. Ainda mais com o desemprego aumentando e a
indústria com cada vez mais capacidade ociosa, como apontam as atas do
BC.
3. A PEC garante a retomada da confiança e do crescimento?
O que estamos vendo é que o corte de
despesas de 2015 não gerou uma retomada. As empresas estão endividadas,
têm capacidade ociosa crescente e não conseguem vender nem o que são
capazes de produzir. Os indicadores de confiança da indústria, que
aumentaram após o impeachment, não se converteram em melhora real. Os
últimos dados de produção industrial apontam queda em mais de 20
setores. A massa de desempregados não contribui em nada para uma
retomada do consumo. Que empresa irá investir nesse cenário?
Uma PEC que levará a uma estagnação ou
queda dos investimentos públicos em infraestrutura física e social
durante 20 anos em nada contribui para reverter esse quadro, podendo até
agravá-lo.
4. A PEC garante maior eficiência na gestão do dinheiro público?
Para melhorar a eficiência é necessário
vontade e capacidade. Não se define isso por uma lei que limite os
gastos. A PEC apenas perpetua os conflitos atuais sobre um total de
despesas já reduzido. Tais conflitos costumam ser vencidos pelos que têm
maior poder econômico e político. Alguns setores podem conquistar
reajustes acima da inflação, e outros pagarão o preço.
5. A PEC preserva gastos com saúde e educação?
Não, estas áreas tinham um mínimo de
despesas dado como um percentual da arrecadação de impostos. Quando a
arrecadação crescia, o mínimo crescia. Esse mínimo passa a ser
reajustado apenas pela inflação do ano anterior. Claro que como o teto é
para o total de despesas de cada Poder, o governo poderia
potencialmente gastar acima do mínimo. No entanto, os benefícios
previdenciários, por exemplo, continuarão crescendo acima da inflação
por muitos anos, mesmo se aprovarem outra reforma da Previdência
(mudanças demoram a ter impacto). Isso significa que o conjunto das
outras despesas ficará cada vez mais comprimido.
O governo não terá espaço para gastar
mais que o mínimo em saúde e educação (como faz hoje, aliás). Gastos
congelados significam queda vertiginosa das despesas federais com
educação por aluno e saúde por idoso, por exemplo, pois a população
cresce.
Outras despesas importantes para o
desenvolvimento, que sequer têm mínimo definido, podem cair em termos
reais: cultura, ciência e tecnologia, assistência social, investimentos
em infraestrutura, etc. Mesmo se o país crescer…
6. Essa regra obteve sucesso em outros países?
Nenhum país aplica uma regra assim, não
por 20 anos. Alguns países têm regra para crescimento de despesas. Em
geral, são estipuladas para alguns anos e a partir do crescimento do
PIB, e combinadas a outros indicadores. Além disso, nenhum país tem uma
regra para gastos em sua Constituição.
7. Essa regra aumenta a transparência?
Um Staff Note do FMI de 2012 mostra que
países com regras fiscais muito rígidas tendem a sofrer com manobras
fiscais de seus governantes. Gastos realizados por fora da regra pelo
uso de contabilidade criativa podem acabar ocorrendo com mais
frequência.
O país já tem instrumentos de
fiscalização, controle e planejamento do orçamento, além de metas
fiscais anuais. Não basta baixar uma lei sobre teto de despesas, é
preciso que haja o desejo por parte dos governos de fortalecer esses
mecanismos e o realismo/transparência da política fiscal.
8. A regra protege os mais pobres?
Não mesmo! Não só comprime despesas
essenciais e diminui a provisão de serviços públicos, como inclui
sanções em caso de descumprimento que seriam pagas por todos os
assalariados. Se o governo gastar mais que o teto, fica impedido de
elevar suas despesas obrigatórias além da inflação. Como boa parte das
despesas obrigatórias é indexada ao salário mínimo, a regra atropelaria a
lei de reajuste do salário mínimo impedindo sua valorização real —
mesmo se a economia estiver crescendo.
O sistema político tende a privilegiar os
que mais têm poder. Reajusta salários de magistrados no meio da
recessão, mas corta programas sociais e investimentos. Se nem quando a
economia crescer, há algum alívio nessa disputa (pois o bolo continua
igual), é difícil imaginar que os mais vulneráveis fiquem com a fatia
maior.
9. A PEC retira o orçamento da mão de políticos corruptos?
Não. Apesar de limitar o tamanho, são
eles que vão definir as prioridades no orçamento. O Congresso pode
continuar realizando emendas parlamentares clientelistas. No entanto, o
Ministério da Fazenda e do Planejamento perdem a capacidade de
determinar quando é possível ampliar investimentos e gastos como forma
de combate à crise, por exemplo. Imagina se a PEC 241 valesse durante a
crise de 2008 e 2009?
10. É a única alternativa?
Não. Há muitas outras, que passam pela
elevação de impostos sobre os que hoje quase não pagam (os mais ricos
têm mais de 60% de seus rendimentos isentos de tributação segundo dados
da Receita Federal), o fim das desonerações fiscais que até hoje vigoram
e a garantia de espaço para investimentos públicos em infraestrutura
para dinamizar uma retomada do crescimento. Com o crescimento maior, a
arrecadação volta a subir.
PEC 241 pode prolongar a crise
Por Laura Carvalho, publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 13/10/2016.
De acordo
com o ministro da Fazenda Henrique Meirelles, se a PEC “do teto de
gastos” não for aprovada, o Brasil teria de enfrentar alternativas
“muito mais sérias e muito piores para o país”, como a alta de impostos.
De fato, como já vem ocorrendo desde 2015, o que a regra garante por
meio de uma alteração na Constituição é que, independente de quanto se
arrecadar, o debate econômico e o conflito distributivo sobre o
orçamento público fique restrito por 20 anos a uma disputa sobre um
total já reduzido de despesas primárias, onde os que detém maior poder
econômico e político saem vencedores.
Os dados
apresentados no Texto para Discussão n. 2132 do IPEA mostram que a
deterioração fiscal verificada no Brasil nos últimos anos em nada tem a
ver com um crescimento mais acelerado das despesas primárias federais.
Tais despesas — que seriam limitadas pela PEC a crescer apenas com a
inflação do ano anterior— expandiram-se menos entre 2011 e 2014 do que
nos governos anteriores. Em 2015, caíram mais de 2% em termos reais.
O problema é
que as receitas também cresceram menos durante o primeiro mandato de
Dilma — 2,2% contra 6,5% no segundo mandato de FHC, por exemplo. Além
das desonerações fiscais sem contrapartida concedidas pelo governo e
ampliadas pelo Congresso, a própria crise econômica explica o fenômeno. A
contração na arrecadação chegou a 6% em 2015 e, segundo as previsões,
será de 4,8% em 2016.
O pagamento
de juros, por sua vez, é responsável pela maior parte do aumento recente
da dívida pública. Embora o argumento comumente propagado seja de que
tais despesas apenas refletem um equilíbrio de mercado, o fato é que as
sucessivas elevações da taxa básica em 2015 pelo Banco Central encareceu
—no mínimo— a alta parcela dos juros paga sobre os títulos indexados à
própria taxa Selic.
Note-se que o
aumento da taxa em nada ajudou a frear uma aceleração da inflação
causada, essencialmente, pelo reajuste brusco dos preços administrados
que vinham sendo represados. E, mesmo com o processo atual de
convergência da inflação para a meta, o Banco Central continua elevando a
taxa de juros em termos reais.
Nesse
contexto, a PEC não só não é a panaceia anunciada no que tange à
estabilização da dívida pública —ou ao controle de uma inflação já em
queda— como pode até mesmo prejudicar sua dinâmica ao tirar da mesa de
discussão os três itens que mais explicam o quadro de deterioração
fiscal atual: a falta de crescimento econômico, a queda de arrecadação
tributária e o pagamento de juros.
Pior. Com o
crescimento inevitável dos benefícios previdenciários por muitos anos,
que ocorrerá mesmo no caso de aprovação de outra reforma, outras áreas
terão seu peso cada vez mais comprimido. Ao contrário dos magistrados,
que parecem ter força suficiente para conquistar reajustes em meio a
conflitos acirrados, despesas com educação por aluno, saúde por idoso,
ciência e tecnologia, cultura, assistência social e investimentos
públicos sofrerão queda vertiginosa.
Já a reforma
tributária, o fim das desonerações fiscais, o combate à sonegação de
impostos e a abertura de espaço fiscal para a realização de
investimentos em infraestrutura não parecem fazer parte dos planos de
Meirelles. Frouxa no curto prazo, a PEC 241 não é um plano de ajuste e,
muito menos, uma agenda de crescimento. Trata-se de um projeto de longo
prazo de desmonte do Estado de bem-estar social brasileiro.
***
Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC). Escreve na Folha de S.Paulo às quintas-feiras.
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