Os seres humanos, mamíferos ultrassociais cujos cérebros precisam
do estímulo do outro, estão sendo separados por mudanças tecnológicas e
pela ideologia do individualismo. Este apartamento é causa de uma
epidemia de doenças psíquicas
Por George Monbiot | Tradução: Inês Castilho | Imagem: Andrzej Krauze
O que poderia denunciar mais um sistema do que uma epidemia de doença
mental? Pois ansiedade, estresse, depressão, fobia social, desordens
alimentares, automutilação e solidão atingem cada vez mais pessoas em todo o mundo. A última ocorrência — divulgação de dados catastróficos sobre a saúde mental das crianças inglesas — reflete uma crise global.
Há muitas razões secundárias para esse sofrimento, mas a causa
fundamental parece ser a mesma em todos os lugares: os seres humanos,
mamíferos ultrassociais cujos cérebros estão conectados para responder
uns aos outros, estão sendo separados. Mudanças econômicas e
tecnológicas, assim como a ideologia, desempenham o papel principal
nessa história. Embora nosso bem-estar esteja indissociavelmente ligado à
vida dos outros, onde quer que estejamos dizem-nos que só prosperamos pelo auto-interesse competitivo e extremo individualismo.
No Reino Unido, homens que passaram a vida inteira em espaços
públicos – na escola, na universidade, no bar, no parlamento – nos
doutrinam para que permaneçamos sozinhos. O sistema educacional torna-se
a cada ano mais brutalmente competitivo. O emprego é uma luta quase
mortal com uma multidão de outras pessoas desesperadas caçando empregos
cada vez mais raros. Os modernos feitores dos pobres atribuem à culpa
individual a circunstância econômica. Intermináveis competições na televisão alimentam aspirações impossíveis, no exato momento em que as oportunidades reais estão cada vez mais reduzidas.
O consumismo preenche o vazio social. Mas, longe de curar a
doença do isolamento, intensifica a comparação social a ponto de, depois
de consumir todo o resto, começarmos a ser predadores de nós mesmos. As
mídias sociais nos unem e nos separam, possibilitando que
quantifiquemos nossa posição social e vejamos que outras pessoas têm
mais amigos e seguidores do que nós.
Como Rhiannon Lucy Cosslett documentou
brilhantemente, meninas e jovens mulheres alteram, como rotina, as
fotos que postam para parecer mais bonitas e mais magras. Alguns
celulares com dispositivos “de beleza” fazem isso sem que você peça;
agora você, magra, pode tornar-se sua própria inspiração. Bem-vindo a
uma distopia pós-Hobbesiana: uma guerra de todos contra todos
Haverá algum encantamento nesses mundos interiores solitários, nos
quais tocar foi substituído por retocar, e mulheres jovens estão se
afundando de agonia? Estudo recente realizado na Inglaterra sugere que uma em cada quatro mulheres entre 16 a 24 anos automutilaram-se e uma em cada oito sofrem
de distúrbio de estresse pós-traumático. Ansiedade, depressão, fobia ou
distúrbio compulsivo-obsessivo afetam 26% das mulheres nesse grupo
etário. Parece ser uma crise de saúde pública.
Se a ruptura social não é tratada tão seriamente quanto um membro
quebrado, é porque não podemos vê-la. Mas os neurocientistas podem. Uma série de artigos fascinantes sugere que a dor social e a dor física são processadas pelos mesmos circuitos neurais. Isso pode explicar a razão
por que, em várias línguas, é difícil descrever o impacto da ruptura de
vínculos sociais sem as palavras que usamos para designar injúria e dor
física. Tanto em humanos quanto em outros mamíferos sociais, o contato
social reduz
a dor física. Essa é a razão por que abraçamos nossas crianças quando
elas se machucam: o afeto é um analgésico poderoso. Opiáceos aliviam
tanto a agonia física quanto a angústia da separação. Talvez isso
explique a ligação entre o isolamento social e a drogadição.
Experimentos resumidos no jornal
Psicologia & Comportamento do mês passado sugerem que, diante de
uma escolha entre dor física ou isolamento, os mamíferos sociais
escolherão a primeira. Macacos-prego mantidos sem alimento e contato por
22 horas irão juntar-se a seus companheiros antes de comer. Crianças
que experimentam negligência emocional, segundo certas descobertas,
sofrem piores consequências de saúde mental do que crianças que
sofreram tanto negligência emocional quanto abuso físico: apesar de
hedionda, a violência envolve atenção e contato. A automutilação é
frequentemente usada como forma de tentar aliviar sofrimento: outra
indicação de que a dor física não é tão ruim quanto a dor emocional.
Como o sistema prisional sabe muito bem, uma das formais mais efetivas
de tortura é o confinamento em solitária.
Não é difícil perceber quais podem ser as razões evolucionárias para a
dor social. A sobrevivência entre os mamíferos sociais é
significativamente ampliada quando eles estão ligados por fortes laços
ao resto do grupo. Os animais isolados e marginalizados são os que mais
provavelmente serão apanhados por predadores, ou morrerão de fome. Assim
como a dor física nos protege de lesões físicas, a dor emocional nos
protege de danos sociais. Ela nos leva a nos reconectar. Mas muita gente
acha isso quase impossível.
Não é surpresa que o isolamento social esteja fortemente associado a
depressão, suicídio, ansiedade, insônia, medo e percepção de ameaça.
Mais surpreendente é descobrir o leque de doenças físicas que ele causa
ou exacerba. Demência,
pressão sanguínea alta, doenças cardíacas, AVCs, queda de resistência a
vírus, até mesmo acidentes são mais comuns entre pessoas cronicamente
solitárias. A solidão tem um impacto na saúde física comparável a fumar 15 cigarros por dia: parece aumentar o risco de morte precoce em 26%. Isso se dá, em parte, porque eleva a produção do hormônio do estresse cortisol, que inibe o sistema imunológico.
Estudos realizados tanto em animais como em humanos sugerem uma razão
para o bem-estar alimentar: o isolamento reduz o controle dos impulsos,
levando à obesidade. Como aqueles que estão na base
da pirâmide socioeconômica são os que têm maior probabilidade de sofrer
de solidão, será esta uma das explicações para a forte ligação entre
baixo status econômico e obesidade?
Qualquer pessoa pode perceber que algo crucial — muito mais
importante do que a gande maioria dos problemas que nos atormentam — deu
errado. Por que razão continuamos mergulhados neste frenesi de
autodestruição, devastação ambiental e deslocamento social, se tudo o
que isso produz é uma dor insuportável? Essa pergunta não deveria
queimar os lábios de todos os que estão na vida pública?
Há instituições de caridade maravilhosas fazendo o que podem para
lutar contra essa maré. Trabalharei com algumas delas como parte do meu
projeto sobre solidão. Mas, para cada pessoa que elas alcançam, muitas
outras são deixadas para trás.
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