Leia “Xadrez da Mídia Golpista Global – 1” (http://migre.me/vbsMB)
Uma reportagem do The Economist de semanas atrás é fundamental para
se entender a maneira como a notícia tornou-se elemento de segunda
classe.
Nos Estados Unidos, a luta política falsificou a certidão de
nascimento de Barack Obama, transformou-se em fundador do Estado
Islâmico, tornou os Clinton assassinos, porque pai de um rival estava
com Lee Harvey Oswald antes que ele matou John F. Kennedy.
The Economist trata esse fenômeno como a "pós verdade política" - um
mundo em que a política se faz em cima de afirmações em que basta
acreditar, mesmo sem nenhuma base na realidade.
Tudo vale. A afirmação de membros do governo da Polônia de que o
antigo presidente, morto em um acidente de aviação, na verdade foi
assassinado na Rússia; que políticos turcos afirmam que os autores da
tentativa de golpe de Estado estavam agindo sob comando da CIA.
A conclusão da reportagem é que democracias fortes podem recorrer a
defesas contra pós-verdades; países autoritários são mais vulneráveis. A
lição vale para o Brasil.
O The Economist não tem ilusões sobre a arte de mentir na política.
Lembra as lorotas de Ronald Reagan, negando a troca de armas com o Irã
para garantir a libertação de reféns; ou para financiar os rebeldes na
Nicarágua. Lembra que ditadores e democratas sempre procuraram desviar a
culpa pela própria incompetência, assim como perdedores sempre acusaram
o outro lado de mentira.
As pós-verdade política, diz a revista, é mais do que apenas uma
invenção das elites. Nela, não se discute se a verdade é falsificada ou
contestada, porque ela passa a ter importância secundária.
Há uma enorme diferença em relação ao Brasil. Nos Estados Unidos, essa “pós-verdade” é praticada por outsiders
da política, em contraposição às elites. No Brasil, tornou-se elemento
central do jogo político, brandido tanto pela mídia quanto poe agentes
públicos.
Economist cita Trump como exemplo acabado, em contraposição à elite -
o setor intelectualmente superior que avaliza os valores intrínsecos da
democracia. Segundo ela, Trump não tem a intenção de convencer as
elites, que não têm a confiança sequer de seus eleitores-alvo, mas
reforçar os preconceitos.
No Brasil, a mídia passou a explorar unanimemente esse eleitor-alvo,
disposto a reforçar os preconceitos. No Brasil, a suposta elite nacional
corresponde ao lúmpen do pensamento politico estadunidense.
O que move esse tipo de campanha não são fatos, mas sentimentos, a
ideia de que a prosperidade é limitada aos que vêm de fora. Para seus
adversários enfrentarem essa pó-verdade, não adianta mostrar seus erros:
eles têm que chafurdar no terreno escolhido por Trump.
Diz o Economist que forças corrosivas estão em jogo. Uma delas é o
ódio. Muitos eleitores se sentem abandonados enquanto as elites que
estão no comando prosperam. Esse novo eleitor desdenha os tecnocratas. A
confiança popular na opinião dos especialistas e das instituições
despencou em todas as democracias ocidentais.
Em parte, se deve aos novos meios de comunicação. A fragmentação das
fontes de notícias criou um mundo atomizado em que residem rumores e
fofocas propagados com velocidade alarmante. Mentiras que são amplamente
compartilhados on-line dentro de uma rede, cujos membros confiam muito
mais uns nos outros mais do que em qualquer fontes de mídia podem
assumir rapidamente a aparência de verdade, diz a revista.
Pesa nisso também a desinformação da própria mídia, que dá o mesmo
peso para o cientista da NASA que diz que Marte é provavelmente
desabitada; e para o Professor Snooks que diz que está repleta de
alienígenas.
É tudo uma questão de opinião. E tudo discutido sob a ótica do senso comum.
A pior parte da política pós-verdade, porém, é que essa autocorreção
não pode ser invocada, diz a revista. Quando as mentiras tornam o
sistema político disfuncional, seus maus resultados podem alimentar a
alienação e falta de confiança nas instituições.
E aí, o risco da pos-verdades para países que vivem o Estado de
Exceção. A revista cita a Rússia e Turquia. Falta ainda esmiuçar os
novos entrantes, como o Brasil.
Diz a revista:
A preocupação mais profunda é com países como Rússia e Turquia, onde
autocratas usam as técnicas de pós-verdade para silenciar oponentes. À
deriva em um mar de mentiras, as pessoas de lá não terão nada para se
agarrar. Para eles, a novidade do pós-verdade pode levar de volta à
opressão à moda antiga.
Alguma semelhança com o Brasil?
Apenas o fato de que, por aqui, o principal agente da pós-verdade é o setor que mais deveria resistir a ela: a mídia.
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