Direitos Humanos,
Democracia, Paz e Progresso terão se transformado em biombos para
ocultar um mundo cada vez mais desigual, violento e alienado? Mas como
superá-los?
Por Boaventura de Sousa Santos | Imagem: Linda Ramsay, Homem, Lua, Binóculos
Os seres humanos, ao
contrário dos pássaros, voam com raízes. Parte das raízes estão nos
conceitos que herdamos para analisar ou avaliar o mundo em que vivemos.
Sem eles, o mundo pareceria caótico, uma incógnita perigosa, uma ameaça
desconhecida, uma jornada insondável.
Os conceitos nunca
retratam exactamente as nossas vivências, até porque estas são muito
mais diversas e mutantes que as que servem de base aos conceitos
dominantes. Estes são, afinal, os conceitos que servem os interesses dos
grupos social, política, econômica e culturalmente dominantes, ainda
que matizados pelas modificações que lhes vão sendo introduzidas pelos
grupos sociais que resistem à dominação. Estes últimos nem sempre
recorrem exclusivamente a esses conceitos. Muitas vezes dispõem de
outros que lhes são mais próximos e verdadeiros, mas reservam-nos para
consumo interno. No entanto, no mundo de hoje, sulcado por tantos
contactos, interações e conflitos, não podem deixar de tomar em conta os
conceitos dominantes, sob o risco de verem as suas lutas ainda mais
invisibilizadas ou mais cruelmente reprimidas. Por exemplo, os povos
indígenas e os camponeses não dispõem do conceito de meio ambiente,
porque este reflete uma cultura (e uma economia) que não é a deles. Só
uma cultura que separa em termos absolutos a sociedade da natureza, de
modo a pôr esta à disposição incondicional daquela, precisa de tal
conceito para dar conta das consequências potencialmente nefastas (para a
sociedade) que de tal separação podem resultar. Em suma, só uma cultura
(e uma economia) que tende a destruir o meio ambiente precisa do
conceito de meio ambiente.
Em verdade, ser
dominado ou subalterno significa antes de tudo não poder definir a
realidade em termos próprios, com base em conceitos que reflitam os seus
verdadeiros interesses e aspirações. Os conceitos, tal como as regras
do jogo, nunca são neutros e existem para consolidar os sistemas de
poder, sejam estes velhos ou novos. Há, no entanto, períodos em que os
conceitos dominantes parecem particularmente insatisfatórios ou
imprecisos. São-lhes atribuídos com igual convicção ou razoabilidade
significados tão opostos, que, de tão ricos de conteúdo, mais parecem
conceitos vazios. Este não seria um problema de maior se as sociedades
pudessem facilmente substituir esses conceitos por outros mais
esclarecedores ou condizentes com as novas realidades. A verdade é que
os conceitos dominantes têm prazos de validade insondáveis, quer porque
os grupos dominantes têm interesse em mantê-los para disfarçar ou
legitimar melhor a sua dominação, quer porque os grupos sociais
dominados ou subalternos não podem correr o risco de deitar fora o bebê
com a água do banho. Sobretudo quando estão a perder, o medo mais
paralisante é perder tudo. Penso que vivemos um período com estas
características. Paira sobre ele uma contingência que não é resultado de
nenhum empate entre forças antagônicas, longe disso. Mais parece uma
pausa à beira do abismo e a olhar para trás.
Os grupos
dominantes nunca sentiram tanto poder nem nunca tiveram tão pouco medo
dos grupos dominados. A sua arrogância e ostentação não têm limites. No
entanto, têm um medo abissal do que ainda não controlam, uma apetência
desmedida por aquilo que ainda não possuem, um desejo incontido de
prevenirem todos os riscos e terem apólices contra todos eles. No fundo,
suspeitam serem menos definitivamente vencedores da história quanto
pretendem, serem senhores de um mundo que se pode virar contra eles a
qualquer momento e de forma caótica. Esta fragilidade perversa, que os
corrói por dentro, fá-los temer pela sua segurança como nunca, imaginam
obsessivamente novos inimigos, e sentem terror ao pensar que, depois de
tanto inimigo vencido, são eles, afinal, o inimigo que falta vencer.
Por sua vez, os grupos
dominados nunca se sentiram tão derrotados quanto hoje, as exclusões
abissais de que são vítimas parecem mais permanentes do que nunca, as
suas reivindicações e lutas mais moderadas e defensivas são silenciadas,
trivializadas pela política do espectáculo e pelo espectáculo da
política, quando não envolvem riscos potencialmente fatais. E, no
entanto, não perdem o sentido fundo da dignidade que lhes permite saber
que estão a ser tratados indignamente e imerecidamente. Que melhores
dias terão de vir. Não se resignam, porque desistir pode ser-lhes fatal.
Apenas sentem que as armas de luta não estão calibradas ou não são
renovadas há muito; sentem-se isolados, injustiçados, carentes de
aliados competentes e de solidariedade eficaz. Lutam com os conceitos e
as armas que têm mas, no fundo, não confiam nem nuns nem noutras.
Suspeitam que enquanto não tiverem confiança para criar outros conceitos
e inventar outras lutas correrão sempre o risco de serem inimigos de si
mesmos.
Tal como tudo o resto,
os conceitos estão à beira do abismo e olham para trás. Menciono, a
título de exemplo, um deles: direitos humanos.
Nos últimos
cinquenta anos os direitos humanos transformaram-se na linguagem
privilegiada da luta por uma sociedade melhor, mais justa, menos
desigual e excludente, mais pacífica. Tratados e convenções
internacionais existentes sobre os direitos humanos foram sendo
fortalecidos por novos compromissos no plano das relações internacionais
e do direito constitucional, ao mesmo tempo que o elenco dos direitos
se foi ampliando de modo a abranger injustiças ou discriminações
anteriormente menos visíveis (direitos dos povos indígenas e
afro-descendentes, mulheres, LGBTI; e direitos ambientais, culturais,
etc.). Movimentos sociais e organizações não-governamentais foram-se
multiplicando ao ritmo das mobilizações de base e dos incentivos de
instituições multilaterais. Em pouco tempo, a linguagem dos direitos
humanos passou a ser a linguagem hegemônica da dignidade, uma linguagem
consensual, eventualmente criticável por não ser suficientemente ampla,
mas nunca impugnável por algum defeito de origem.
Claro que se foi
denunciando a distância entre as declarações e as práticas e a
duplicidade de critérios na identificação das violações e nas reações
contra elas, mas nada disso abalou a hegemonia da nova literacia da
convivência humana. Cinquenta anos depois, qual é o balanço desta
vitória? Vivemos hoje numa sociedade mais justa, mais pacífica? Longe
disso, a polarização social entre ricos e pobres nunca foi tão grande,
guerras novas, novíssimas, regulares, irregulares, civis, internacionais
continuaram a ser travadas, com orçamentos militares imunes à
austeridade, e a novidade é que morrem nelas cada vez menos soldados e
cada vez mais populações civis inocentes: homens, mulheres e, sobretudo,
crianças. Em consequência delas, do neoliberalismo global e dos
desastres ambientais, nunca como hoje tanta gente foi forçada a
deslocar-se das regiões ou dos países onde nasceu, nunca como hoje foi
tão grave a crise humanitária. Mais trágico ainda é o facto de muitas
das atrocidades cometidas e atentados contra o bem-estar das comunidades
e dos povos terem sido perpetrados em nome dos direitos humanos.
Claro que houve
conquistas em muitas lutas, e muitos ativistas de direitos humanos
pagaram com a vida o preço da sua entrega generosa. Acaso eu não me
considerei e considero um ativista de direitos humanos? Acaso não
escrevi livros sobre as concepções contra-hegemônicas e interculturais
de direitos humanos? Apesar disso, e perante uma realidade cruel que só
não salta aos olhos dos hipócritas, não será tempo de repensar tudo de
novo? Afinal, a vitória dos direitos humanos foi uma vitória de quê e de
quem? Foi a derrota de quê e de quem? Terá sido coincidência que a
hegemonia dos direitos humanos se acentuou com a derrota histórica do
socialismo simbolizada na queda do Muro de Berlim? Se todos concordam
com a bondade dos direitos humanos, ganham igualmente com tal consenso
tanto os grupos dominantes como os grupos dominados? Não terão sido os
direitos humanos uma armadilha para centrar as lutas em temas setoriais,
deixando intacta (ou até agravando) a dominação capitalista,
colonialista e patriarcal? Não se terá intensificado a linha abissal que
separa os humanos dos sub-humanos, sejam eles negros, mulheres,
indígenas, muçulmanos, refugiados, imigrantes indocumentados? Se a causa
da dignidade humana, nobre em si mesma, foi armadilhada pelos direitos
humanos, não será tempo de desarmar a armadilha e olhar para o futuro
para além da repetição do presente?
Estas são perguntas
fortes, perguntas que desestabilizam algumas das nossas crenças mais
enraizadas e das práticas que sinalizam o modo mais exigentemente ético
de sermos contemporâneos do nosso tempo. São perguntas fortes para as
quais apenas temos respostas fracas. E o mais trágico é que, com algumas
diferenças, o que acontece com os direitos humanos acontece com outros
conceitos igualmente consensuais. Por exemplo, democracia, paz,
soberania, multilateralismo, primado do direito, progresso. Todos estes
conceitos sofrem o mesmo processo de erosão, a mesma facilidade com que
se deixam confundir com práticas que os contradizem, a mesma fragilidade
perante inimigos que os sequestram, cooptam e transformam em
instrumentos dóceis das formas mais arbitrárias e repugnantes de
dominação social. Tanta desumanidade e chauvinismo em nome da defesa dos
direitos humanos, tanto autoritarismo, desigualdade e discriminação
transformados em normal exercício da democracia, tanta violência e
apologia bélica para garantir a paz, tanta pilhagem colonialista dos
recursos naturais, humanos e financeiros dos países dependentes com o
respeito protocolar da soberania, tanta imposição unilateral e chantagem
em nome do novo multilateralismo, tanta fraude e abuso de poder sob a
capa do respeito das instituições e do cumprimento da lei, tanta
destruição arbitrária da natureza e da convivência social como preço
inevitável do progresso!
Nada
disto tem de ser inevitavelmente assim e para sempre. A mãe de toda
esta confusão, induzida por quem beneficia dela, de toda esta
contingência disfarçada de fatalismo, de toda esta paragem vertiginosa à
beira do abismo reside na erosão bem urdida, nos últimos cinquenta
anos, da distinção entre ser de esquerda e ser de direita, uma erosão
levada a cabo com a cumplicidade de quem mais seria prejudicado por ela.
Foi por via dessa erosão que desapareceram do nosso vocabulário
político as lutas anti-capitalistas, anti-colonialistas, anti-fascistas,
anti-imperialistas. Concebeu-se como passado superado o que afinal era o
presente mais do que nunca determinado a ser futuro. Nisto consistiu
estar no abismo a olhar para trás, confiante que o passado do futuro
nada tem a ver com o futuro do passado. Esta a maior monstruosidade do
tempo presente.
Sofre de lavagem-cerebral do petismo (via o brilhante e poderoso joão-o-milionário-santana):
ResponderExcluirE aqui no Brasil…, quem vota no lula livre do PT e seus satélites embusteiros ao estilo de PCdoB (e, também, no bregaço do Petismo) é:
1.
Autoritário,
2.
Grotão convencido a sabichão,
3.
Pessoas toscas,
4.
Pessoas que sofreram Lavagem Cerebral, via João-o-Milionário-Santana (o ex-publicitário do brega petismo),
5.
Bregas e barangonas,
6.
População reacionária,
7.
Ladrões, bandidos e mulheres revoltadas;
8.
Imbecis de toda ordem!
—
O petismo, lula, dilma etc. são totalmente autoritários de esquerda…
Vejamos. Eis tais pessoas:
Elas têm uma abordagem mental tão estreita como o buraco de uma agulha (PT, PCdoB): ali não cabe outra opinião além da sua, outra crença ou outra verdade, algo que ela mesma criou ao longo da sua vida.