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quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Se a Globo fosse uma pessoa, como ela seria?, Wilson Roberto Vieira Ferreira

Se a Globo fosse uma pessoa, como ela seria?


“Se a sua marca fosse uma pessoa, como ela seria?... E a sua personalidade?”. A partir dessa pergunta, os marqueteiros especializados no chamado “Brand Persona” definem a “essência” de uma marca: Volvo? É “seguro”... Lamborghini? É “exótico”... Disneylândia? É “mágico”. E como seria a Organização Globo, principalmente após a decisão da Comissão de Direitos Humanos da ONU para que Lula possa exercer seus direitos políticos enquanto estiver na prisão? Entre simplesmente ignorar a notícia e, depois, rebaixá-la a “fake news” (sob o silêncio das agências “hipsters” de checagem), se a Globo fosse uma pessoa, estaria com sérios sintomas de esquizofrenia midiática e formações reativas psíquicas que vão de “negação” a “transbordamento”. Um malabarismo jornalístico somente possível pela fragmentação da divisão dos blocos de notícias em seus telejornais que agora não apenas tenta ocultar fatos. Mas também esconde a própria esquizofrenia midiática: como em um momento ser a favor... e em outro ficar contra?

“Se a sua marca fosse uma pessoa, como ela seria?” Pergunta fundamental para os profissionais de marketing fazerem o chamado “Brand Persona” da marca.

Num exercício de imaginação, qual seria a resposta se a mesma pergunta fosse aplicada à TV Globo? As respostas óbvias poderiam ser o seu fundador Roberto Marinho. Ou, por que não, William Bonner ou qualquer estrela do cast das telenovelas ou programas de entretenimento?

Mas quando chegássemos à questão “como seria sua personalidade?”, certamente teríamos que recorrer ao velho Freud para explicar o imbróglio psíquico provocado na emissora após a decisão do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas para que Lula possa exercer seus direitos políticos enquanto estiver na prisão.

Formação reativa da negação (mecanismo psíquico de defesa) e esquizofrenia midiática seriam a descrição mais exata dos sintomas de uma longa condição tautista (tautologia + autismo midiático) da Globo – mistura de elemento ficcionais e não-ficcionais com o constante auto-referenciamento, criando um “fechamento operacional”(Luhumann, Varela) em relação ao mundo exterior: o “lado de fora” passa a ser traduzido a partir de uma descrição que a Globo faz de si mesma – clique aqui.

Em uma série de postagens esse Cinegnose mostrou a principal consequência dessa condição: o desgaste da Globo em tentar conciliar o papel de verdadeiro partido político e seus objetivos comerciais que dependem da sustentação de uma imagem de isenção e profissionalismo – veja links abaixo.

Gota d’água


A resolução da ONU parece que foi a gota d’água que fez o copo de seu “psiquismo” transbordar: a Globo começa a apresentar evidentes formações reativas de “transbordamento” – formas exageradas de compensação para desviar a atenção e encobrir algo indesejado.


De início, o jornalismo da emissora simplesmente negou a existência da resolução da ONU: se nós não noticiámos, logo jamais existiu. Porém, esse modus operandi de décadas não funciona mais num ambiente midiático de convergência tecnológica – blogs, mídias e redes sociais.

Sem alternativa, a Globo partiu para o mecanismo de defesa de deslocamento: começou a adotar o viés de que tudo foi apenas uma “recomendação” do órgão internacional. Esse foi o mantra repetido em editoriais e informações de pauta selecionadas para os telejornais.

A autofagia global


Ou, como se notabilizou desde o chamado “escândalo da Wikipédia” em 2014 (de forma bombástica a Globo vitimizou duas estrelas do seu jornalismo, Miriam Leitão e Carlos Sardenberg, como supostos alvos de fraude na manipulação dos seus perfis na enciclopédia virtual – clique aqui), colocada no limite a Globo sacrifica a principais peças da casa como uma espécie de autofagia: a imolação de William Waack após ser pego fazendo galhofas racistas; o vexame da Miriam Leitão repetindo em tatibitati a resposta da cúpula do jornalismo no ponto eletrônico às provocações de Bolsonaro em debate na Globo News...

E agora, diante da saia justa da ONU, Carlos Sardenberg foi colocado para dizer na rádio CBN e no Portal G1 que a importância da resolução da ONU não passaria de “fake news” petista. Para a vergonha alheia dos especialistas em direito internacional. E silêncio das chamadas “agências de fact checking” como Lupa, Aos Fatos e Projeto Comprova – o que apenas evidencia a essência do atual “jornalismo hipster” praticado por essas plagas – sobre a natureza “hipster” do jornalismo brasileiro atual clique aqui.


Com esse discurso aloprado de Sardenberg, compreende-se o porquê de figuras como Bolsonaro e, repentinamente, espécimes do Brasil Profundo como Cabo Daciolo (um estranho cruzamento de lutador de MMA com pastor neopentecostal) ganham o estrelato: é apenas um exemplo da atual condição esquizofrênica da emissora – tem a urgência de alavancar a candidatura Alckmin (a continuidade garantida das políticas neoliberais do Estado Mínimo), enquanto sua negação da realidade só dá mais combustível para a paranoia de extrema-direita com “Ursal”, “Fórum de São Paulo” e congêneres.

E o crescimento da aversão à política que potencializa a própria extrema-direita (a princípio, indesejada pela Globo) visto pelo crescimento dos votos branco/nulo e o “não sei” que chega a 42%, segundo o Instituto DataPoder360. A emissora sofre com o próprio efeito colateral da seu crônico tautismo.

Esquizofrenia midiática


Esse episódio da resolução da ONU só explicitou a condição esquizofrênica Global. Se não, vejamos:

(a) A Globo emulou a mesma postura que o presidente norte-americano de direita, Donald Trump, costuma fazer: abandonar o Conselho de Direitos Humanos acusando a ONU de “hipocrisia”, recusa a apoiar resolução da ONU que incentiva a amamentação. Sem falar na retirada de acordos internacionais como o de Paris sobre mudanças climáticas.

(b) Mas, por outro lado, desde a derrota de Hillary Clinton nas eleições dos EUA, a emissora mantém-se numa posição declaradamente de oposição a Trump. Por que? Porque o presidente eleito é contra movimentos identitários e denota intolerância, preconceito e racismo. 


(c) Entretanto, a Globo TEM que apoiar movimentos identitários, como vimos em postagem anterior: depois de anos negando a existência de racismo e intolerância, repentinamente os movimentos identitários e culturais (movimentos de gênero, afro-brasileiro, indígena, movimentos de jovens e idosos) passaram a merecer o apoio do jornalismo da Organização Globo, tornando-se tema transversal na grade de programação.

Isso por dois motivos estratégicos:

(c.1.) Controle de danos: preocupada em de descolar da imagem de “TV golpista” tenta agora desesperadamente apresentar isenção ao apoiar causas que historicamente foram bandeiras de esquerda no Brasil;

(c.2.) Dividir para reinar: como alertava o velho Brizola (“se a Globo é a favor, somos contra!”), o apoio aos movimentos identitários é sempre pelo viés da despolitização com o discurso dos “direitos”, apartidarismo e fragmentação – p. ex: Marielle Franco não foi morta por fiscalizar a intervenção militar no Rio e denunciar um sistema perverso de violência policial contra os pobres, mas por ser negra, mulher e lésbica – clique aqui.

(d) Mas, num malabarismo jornalístico somente possível pela fragmentação da divisão dos blocos de notícias em seus telejornais, a Globo ou silencia ou, discretamente, apoia a política externa de Trump. Afinal, os próceres da cúpula da Organização Globo sabem da ingerência da Guerra Híbrida dos EUA como estratégia de política externa que açodou a crise política brasileira. E conduziu a Organização Globo ao estratégico papel de partido de oposição.


Se os EUA forem contra a Venezuela e pró-Israel, a Globo fecha com Trump desde os seus tempos televisivos do programa O Aprendiz.

Delírio de esquizofrenia midiática: na sua política interna de estímulo a xenofobia, racismo e ódio, Globo faz explícita oposição a Trump. Mas na política externa, para seus colunistas e apresentadores, Trump é o campeão na luta contra ditaduras, salvaguardando os valores democráticos – basta ver a forma como a Globo cobriu a visita de Mike Pence ao Brasil, comemorado como “a primeira visita (sic) do vice-presidente ao País para acordos (sic) e cooperações (sic)”...

Respondendo à pergunta marqueteira inicial, a Globo certamente teria a cara de Roberto Marinho com preocupantes rompantes esquizofrênicos  numa personalidade orientada para uma compulsiva negação e severas formações reativas de deslocamento.

O “affaire” ONU parece ter mostrado que a Globo arrumou outra dor de cabeça: se diuturnamente a emissora tinha que reafirmar sua isenção e profissionalismo para esconder a manipulação dos fatos, agora precisa esconder também sua condição de esquizofrenia midiática.

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