– 13 de junho de 2018
Seus seguidores abandonaram as cabeças raspadas e o uso da
suástica em público. Adotaram o terno e gravata e mesclam o discurso de
Trump com uma retórica anti Europa e anti-imigração
Por Eduardo Febbro, no Página|12 | Tradução: Cepat
O ex-primeiro-ministro esloveno Janez está a um passo de se somar
como uma peça a mais da fortaleza populista e xenófoba que, com um êxito
imparável, foi se construindo na Europa desde que, em meados dos anos
80 do século XX, a extrema-direita da Frente Nacional francesa começou a
acumular êxitos eleitorais. Naqueles anos, seus militantes se reuniam
com a cabeça raspada, exibiam sem rodeios as suásticas e entoavam hinos
públicos em homenagem ao nazismo. Os de agora andam com gravata,
desfizeram as cenografias provocativas e centraram sua ascensão ao poder
em torno da rejeição à Europa e de um racismo fervoroso.
Itália, Eslovênia, República Checa, a Grã-Bretanha do Brexit,
Holanda, Áustria, Polônia e França são os principais países do Velho
Continente onde foi se forjando o cinturão sombrio
dos fascismos renovados. A fase atual se iniciou em 2005,
quando França e Holanda rejeitaram mediante um referendo o tratado sobre
a Constituição Europeia. Desde então, alentado pelas crises
financeiras, o desemprego, a diluição do ideal europeu, o surgimento
do islamismo radical que o Ocidente facilitou e as reiteradas crises
migratórias, o cinturão dos populismos cinzentos não fez mais que se
estender.
Janez Jansa, o líder do Partido Democrata Esloveno (SDS), impôs-se no
domingo passado nas eleições legislativas eslovenas com 25,03% dos
votos. Embora não possa governar sem o apoio de outras formações
políticas, a estreita vitória de Jansa se forjou com uma mescla das
narrativas do presidente norte-americano Donald Trump e slogans anti
Europa e anti-imigração inspirados no modelo da ultradireita francesa e,
sobretudo, com o principal ingrediente da retórica de seu mestre, o
ultranacionalista primeiro-ministro húngaro Víktor Orban, o propulsor do
“iliberalismo”.
Esta doutrina mencionada nos anos 1990 pelo ensaísta norte-americano Fareed Zakarya em um artigo publicado na revista Foreign Affairs é
uma espécie de versão decorosa do chamado autoritarismo pós-democrático
que suprime direitos democráticos, coloca a justiça a serviço do poder
político, retira as liberdades individuais, amordaça a imprensa e
articula sua ascensão ao poder a partir de um racismo de Estado. Nem
democracia autêntica, nem ditadura real, mistura
de ultranacionalismo com estrangulamento dos direitos democráticos, “nas
fronteiras da Europa como no seio da Europa se desenha a tentação das
democracias iliberais”, disse, alguns meses atrás, o presidente
francês Emmanuel Macron. A realidade foi mais veloz do que muitos
analistas esperavam e chegou até se incrustar no coração da União
Europeia com o exemplo da Itália e o pacto de governo entre o Movimento 5
Estrelas e os racistas da Liga Norte (11 milhões de pessoas votaram no
primeiro (32%) e seis milhões (18%) no segundo.
Em sua primeira intervenção pública na Sicília, o novo ministro do
Interior italiano e líder da Liga, Matteo Salvini, convidou os
imigrantes a se preparar “para fazer suas malas”. Nada muito diferente
do que ocorreu na Grã-Bretanha, com o Brexit, na Polônia, com o
dirigente Jaroslaw Kaczynski, na Hungria, Áustria, Holanda e França. Os
ascendentes líderes destes países constituem a linha fronteiriça que
pretende defender a Europa do que todos chamam “a invasão”.
Paradoxalmente, esse grupo adotou alguns perfis retóricos que antes
pertenciam exclusivamente à esquerda. O principal consiste em se
apresentar como um “cinturão antissistema”. O exemplo mais importante e
mais temido pelos sócios europeus, em razão de sua poderosa carga
eurocética, é o da Itália. A aliança entre o Movimento 5 Estrelas e
a Liga Norte é a primeira coalizão ultradireitista “antissistema” que
chega ao poder em um dos países fundadores da União Europeia. Os dois
partidos se caracterizam por seus pactos com outras forças similares no
cenário político da Europa.
Os 14 eurodeputados do Movimento 5 Estrelas no Parlamento Europeu se
associaram com a formação de ultradireita Europa da Liberdade e da
Democracia Direta, cujo líder não poderia deixar de ser o
britânico Nigel Farage, o patrono do Brexit na Grã-Bretanha. E no que
concerne à Liga Norte, os 5 eurodeputados deste partido formaram uma
aliança com o Frente Nacional de Marine Le Pen. O populismo de
ultradireita que renasceu na França foi se propagando para o restante da
Europa, principalmente para a Europa do Leste, onde começou a prosperar
após a queda do Muro de Berlim (1989). Depois, avançou pela Europa do
Norte até conquistar o coração da Europa do Sul.
Um trabalho realizado pelo Centro de Pesquisas
Internacionais da Universidade de Ciências Políticas de Paris
identificou muitos pontos comuns nesse iliberalismo xenófobo: povo
virtuoso contra elites corrompidas e globalizadas; sociedade aberta
contra sociedade fechada. Em 2017, o húngaro Víktor Orban dizia: “uma
nova era está batendo à porta. Uma nova era do pensamento político. As
pessoas querem sociedades democráticas e não sociedades abertas”. Querem
dirigentes com perfil forte; com uma inclinação pronunciada pela
democracia direta, mediante a celebração de todos os tipos de
referendos; um poder sólido dentro de um Estado soberano, ou seja,
independente da União Europeia; e a defesa da identidade cultural diante
da “invasão tóxica” dos estrangeiros.
Paradoxalmente, tanto no seio do Movimento 5 Estrelas, como na Liga
Norte, as linhas narrativas excludentes de alguns meses atrás foram
limadas: já não se fala como antes de um Italexit, nem do abandono do
Euro, menos ainda de sair da Aliança Atlântica, a OTAN. Isso não impede
que o que hoje se denomina “a internacional populista” seja uma
realidade cada vez mais tangível. O próprio uso do termo “populismo”
difere, por outro lado, do que os narradores midiáticos da casta fazem
na América Latina. Na América Latina, as direitas liberais chamam de
populistas tudo o que vai da socialdemocracia à esquerda. Na Europa não:
esse termo está globalmente identificado com as extremas direitas.
O cientista político francês Alain Duhamel escreveu na página do jornal Libération
que a “Europa enfrenta a crise mais grave de sua história. A Europa se
tornou o campo cerrado de uma batalha entre reformistas e populistas,
entre partidários e adversários da União”. Os países do Leste da Europa
se libertaram do comunismo para depois cair nos braços de seu inimigo
histórico, os do Norte da Europa se deixaram seduzir pelas mesmas
sereias e os do Sul negam, agora, toda a história que os constituiu como
pilares da construção europeia. Xenofobia e autoritarismo, os demagogos
são as estrelas triunfantes no “berço da cultura”.
Como destaca o próprio Alain Duhamel, no Libération, a história deu
uma guinada extraordinária: “dos anos 60 a 2000, os europeus reformistas
ganharam o primeiro tempo. Dos anos 2000 até agora, os populistas
eurofóbicos acumulam as vitórias”. O afundamento da esquerda primeiro,
da socialdemocracia depois, e os rumos dos partidos de direita
reconfiguraram a Europa. A avalanche não terminou. O cinturão
do populismo racista e autoritário seguirá asfixiando as democracias
liberais.
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