No último debate presidencial, o
jornalista Reinaldo Azevedo fez uma pergunta bastante simples sobre
dívida interna para Bolsonaro, mas que o fez perder o chão. Durante o
minuto de resposta, o candidato ficou tenso como se estivesse acabado de
ficar nu diante de todo o país. O mito da força e da ordem derreteu ao
vivo e se transformou em um garotinho assustado, com olhar vazio. Ficou
perdido como o meme do John Travolta. Foi possível enxergar em seu
semblante “sofrimento interior”, ‘desequilíbrio emocional” e “angústia”— os
mesmos sentimentos que o acometeram quando o deputado do PSB carioca
Carlos Minc o chamou de machista, homofóbico e racista, como consta no processo que abriu contra o ex-ministro.
Entre um silêncio interminável e
outro, falou qualquer coisa que lhe veio à cabeça, sem nenhuma conexão
com a pergunta, e apresentou soluções constrangedoramente infantis como:
“fazer com que empregados e patrões sejam amigos, e não inimigos”.
Escolhido para comentar a resposta, Ciro Gomes teve a chance de
escancarar ainda mais o despreparo de um candidato minúsculo, mas
preferiu ser cortês, talvez para não parecer arrogante aos olhos do
eleitor. Se uma pergunta trivial sobre economia causou todo esse estrago
no emocional de Bolsonaro, não é difícil imaginar como seria o seu
comportamento na hora de tomar grandes decisões, administrar conflitos e
atender demandas complexas de uma sociedade que passa por crises de
toda ordem.
O avanço recente da extrema-direita no
mundo tem suscitado discussões sobre como os líderes políticos que
emergem desse espectro devem ser abordados. Nos EUA, Europa e agora no
Brasil, jornalistas tentam descobrir a melhor maneira de entrevistá-los
sem oferecer palanque para suas propostas antidemocráticas. A
experiência americana com Trump indica que confrontar os absurdos
racistas e homofóbicos, por exemplo, não funciona e só ajuda a alimentar
a fúria dos seus seguidores. Primeiro porque o confronto em si é uma
das principais estratégias da extrema-direita, que busca a briga com a
imprensa a todo custo para poder posar de vítima perseguida pelo
establishment. Segundo porque todo extremista é, via de regra,
intelectualmente limitado e se perde ao ser convocado a falar sobre
temas que estão fora da sua caixinha moralista.
Há uma tendência da imprensa mundial
em querer em apontar os absurdos dos extremistas, mas são exatamente
esses mesmos absurdos que têm aumentado os seus capitais políticos.
Grandes temas fundamentais acabam ficando em segundo plano, o que não
acontece com políticos não extremistas.
Uma pergunta banal de Reinaldo Azevedo
revelou a fragilidade do Bolsonaro, coisa que a bancada inteira do Roda
Viva inteiro não conseguiu em horas de entrevista. Os entrevistadores
do programa da TV Cultura se focaram nos mais famosos episódios de
agressividade e preconceito do candidato, o que o fez nadar de braçada. É
justamente por causa desses episódios que o candidato está onde está.
Reforçá-los não ajuda em nada.
parlamento explorando um sentimento
anti-refugiados de parte da sociedade alemã. Há duas semanas, Alexander
Gauland, dirigente do partido, participou de uma entrevista atípica na
televisão. O jornalista Thomas Walde da ZDF conduziu o programa sem em
nenhum momento tocar no tema dos refugiados, a principal bandeira do
partido. Durante 19 minutos, o extremista se viu obrigado a tratar de
assuntos que estão fora da sua zona de conforto, como previdência,
mudanças climáticas e digitalização — temas muito mais relevantes para a
Alemanha do que a questão dos refugiados. O desempenho de Gauland foi
péssimo.
A jornalista americana Emily Schultheis, que atualmente mora em Berlim, escreveu um artigo para o The Atlantic
citando essa entrevista e analisando as dificuldades que a mídia
internacional tem encontrado ao lidar com extremistas de direita: “A
mídia alemã (e europeia) tem sido criticada por dar um enfoque
sensacionalista nas questões de refugiados e migração. O constante foco
da mídia nessas questões ajuda a mantê-las na mente das pessoas, mesmo
depois que o fluxo de refugiados tenha diminuído de forma
significativa.”
Quando perguntado sobre a fala de um
correligionário que propôs uma “mudança no sistema previdenciário”,
Gauland se limitou a dizer que o “partido ainda está discutindo” e que
não há “nenhum conceito determinado”. O jornalista insistiu no tema e
perguntou se o partido não tinha, de fato, uma proposta para as
aposentadorias. O líder extremista respondeu que “agora, não”, mas que
apresentaria uma após a próxima reunião do partido.
Em outra pergunta, Walde se referiu à retórica nacionalista que prega a proteção do povo alemão (e que
geralmente explora a perda de empregos para imigrantes) e perguntou
sobre como os locatários locais serão protegidos das grandes empresas
internacionais de locação como o Airbnb, que fizeram os aluguéis em
Berlim dispararem. Mais uma resposta melancólica: “Não posso lhe dar uma
resposta no momento. Isso não foi votado no programa do partido.”
Sobre a digitalização —
tema importante na Alemanha, já que o país tem uma infraestrutura
digital bastante precária em relação a outros países europeus —, a
resposta seguiu o padrão vergonhoso das anteriores. “Eu não posso
explicar isso. Você precisa perguntar a um deputado”, acrescentando que
ele próprio não tem “nenhuma familiaridade com a internet”.
Depois da entrevista, Gauland sentiu o
golpe e resmungou publicamente. Disse que o jornalista foi
“excessivamente tendencioso” e “absolutamente anti-jornalístico”. As
perguntas simples e técnicas irritaram também o exército de militantes
virtuais de extrema-direita, que atacaram o jornalista alemão em suas
redes sociais — exatamente o que o fã-clube de Bolsonaro fez com Reinaldo Azevedo.
No mês passado, Luciano Caramori, um redator publicitário com experiência em campanhas eleitorais, escreveu uma série de tweets propondo um modo de como abordar Bolsonaro. Trata-se basicamente da mesma estratégia utilizada por Azevedo e por Walde.
“Por mais absurdo que seja, os comportamentos RACISTA, HOMOFÓBICO, VIOLENTO do candidato não me parecem os melhores argumentos contra ele. Infelizmente, existe uma tendência mundial em relevar essas atitudes. O que interessa é SEGURANÇA, EMPREGO, SAÚDE. O argumento que ele não fez NADA pela segurança do Rio de Janeiro em 30 anos de mandato vai ser mais eficaz do que comentar que ele espancaria o próprio filho se fosse gay.”
Essa deve ser a postura dos
jornalistas ao abordar não só Bolsonaro, mas todos os candidatos de
extrema-direita que têm pipocado por aí. Questões básicas e técnicas
sobre segurança, economia e saúde, que demandam respostas complexas, são
as principais armas contra o extremismo. Políticos que exaltam a
ditadura militar e propõem que fazendeiros se armem com fuzis e tanques
de guerra, por exemplo, devem ser confrontados com perguntas técnicas
sobre segurança pública, sem ter espaço para o proselitismo ideológico
de sempre. É só oferecer a corda que o extremista se enforca sozinho.
Depois de ter sido nocauteado por uma
pergunta simples e, temendo que o fato se repita nos próximos debates,
Bolsonaro anunciou que é melhor já ir se acostumando com sua possível ausência nos próximos debates.
O presidente do PSL justificou dizendo que seu candidato é diferente,
que não apresenta soluções fáceis, “mas novos direcionamentos para um
Brasil, que está sofrendo com a esquerdopatia que está aí há mais de
duas décadas”. Apelou até para a convocação do comunismo imaginário para
justificar a fuga do seu Dom Quixote.
O fato de Bolsonaro não ter a mínima
noção dos problemas básicos que poderá vir a enfrentar como presidente
deve ser cada vez mais exposto. Ele está há quase 30 anos na vida
pública parlamentar sem ter feito nada de relevante — nem em favor de
suas odiosas bandeiras, diga-se — e até hoje não adquiriu a mínima noção
de economia. O povo quer emprego, segurança e comida na mesa, e para
isso é preciso que fique claro que o polemismo por si só não resolverá
essas questões.
Que Bolsonaro continue pregando para
convertidos apenas em suas bolhas nas redes sociais. Quando sair delas,
deve ser confrontado com questões técnicas e práticas do mundo real. Não
dá pra ser presidente de um país em profunda crise econômica cumprindo
exclusivamente o papel de guardinha da moral e dos bons costumes,
enquanto na economia cumpre o de fantoche. Não se governa um país do
posto Ipiranga.
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