seg, 20/08/2018 - 08:14
O Judiciário e as elites levam o Brasil à rebelião
por Aldo Fornazieri
Nas
democracias, as eleições funcionam como processos de relegitimação do
poder, da autoridade em geral e dos governos, principalmente quando elas
ocorrem em momentos de crise ou como instrumentos para superar crises.
No presidencialismo, elas conferem força, legitimidade e autoridade a um
presidente eleito. No parlamentarismo, governos enfraquecidos que
perdem apoio social e parlamentar, normalmente, são substituídos por um
novo governo nascido de uma eleição parlamentar antecipada visando
formar uma maioria para conferir autoridade e legitimidade a um novo
gabinete ministerial.
As
eleições presidenciais brasileiras de 2018 estão caminhando no sentido
contrário daquilo que deveria ser a sua função precípua: dar
legitimidade e força a um novo presidente para enfrentar os gravíssimos
aspectos da crise. Esse sentido contrário indica que as eleições se
revestirão de ilegitimidade, elegerão um presidente fraco, agravarão a
crise política e o futuro governo não terá força e capacidade para
enfrentar a crise econômica e social. O nó górdio dessa ilegitimidade é o
impedimento de Lula e a manutenção de sua prisão ilegal. Na medida em
que forças políticas e sociais estão sendo levadas para um beco sem
saídas, não lhes restará outro caminho a não ser a rebelião política
para contestar, derrubar e reformar uma ordem que se tornou ilegítima. A
participação do PT nas eleições com uma outra chapa, não lhe retira o
caráter ilegítimo. O problema está no povo que está sendo impedido de
votar no candidato que a maioria quer.
Os
principais responsáveis por construir esse caminho da rebelião são o
Judiciário e o Ministério Público associados à grande mídia, de um lado,
e as elites predatórias que contam a seu serviço o alto funcionalismo
estatal, de outro. Examine-se a conduta do Judiciário, do Ministério
Público Federal e da Polícia Federal. Esses setores transformaram a
operação Lava Jato num instrumento de perseguição política contra
aqueles que juízes, procuradores e delegados elegeram para serem os seus
inimigos ideológicos, com Lula em primeiro lugar. A quantidade de
arbitrariedades de violações da Constituição, de leis e de direitos
individuais que os operadores da Lava Jato praticaram, partido de
Curitiba, passando por Porto Alegre e chegando aos tribunais superiores
em Brasília, são incontáveis.
Pode-se
mencionar as conduções coercitivas, prisões arbitrárias, delações
forjadas, condenações ilegais, notadamente a do presidente Lula. Some-se
a isso, o aval que o STF deu ao golpe e a validação de leis
inconstitucionais a exemplo da prisão sem que a sentença tenha
transitado em julgado, como garante o artigo 5° da Constituição, e a
própria lei da Ficha Limpa. O juiz Moro, os desembargadores do TRF4 e
ministros dos tribunais superiores de Brasília estão gritando: "a lei
sou eu". A lei e a Constituição foram substituídas pela vontade
arbitrária dos juízes, que instauraram o reino do mando pessoal como
sempre vigeu no Brasil colonial, imperial, da Primeira República e cujas
práticas nefastas renascem hoje com vigor bramidas justamente por
aqueles que deveriam combatê-las. O dia 8 de julho será marcado como um
dia exemplar para provar que o que vale no Brasil não é a lei e a
Constituição, mas o poder pessoal de desembargadores, de delegados, de
juízes e da procuradora Geral da República, ao interferirem de forma
ilegal para impedir que Lula fosse solto.
Agora,
esse mesmo Judiciário se prepara para desacatar uma determinação de um
Comitê de Direitos Humanos da ONU para impedir que Lula seja candidato
e, consequentemente, que ganhe liberdade em face de sua prisão ilegal. O
Judiciário e o MPF já perderam todo o pudor em face de sua senda
criminosa na violação recorrente da Constituição e das leis. Destruíram a
autoridade e a legitimidade jurídica ao usarem as leis e o direito como
instrumentos de guerra contra aqueles que eles elegeram como inimigos
políticos e ideológicos. Existe hoje uma enorme pressão internacional
pela liberdade e pelos direitos de Lula vinda de juristas, intelectuais,
artistas e políticos de renome mundial e de organismos de Direitos
Humanos. Mas as autoridades brasileiras se comportam como chefetes de
ditaduras, de regimes de apartheid de tirania, insensíveis a estes
reclamos. Mas como todo regime arbitrário, esses chefetes também, algum
dia, irão cair.
No
Brasil não há mais leis e nem Constituição. Há a vontade arbitrária dos
juízes. A destruição do sistema jurídico irá levar a uma rebelião, pois
aqueles que são perseguidos não tem a quem recorrer, dadas a
contaminação e a putrefação do Judiciário, transformado em instrumento
de guerra política. Os perseguidos pelo Judiciário estão num beco sem
saída: ou reagirão se rebelando ou serão destruídos. Esta rebelião terá
que ter como finalidade restaurar o funcionamento da Constituição, a
legitimidade do poder, promovendo um expurgo daqueles que a violaram. A
guerra jurídica que a PGR, que o Judiciário e que delegados da PF movem
contra os seus inimigos é ampla e diária, uma guerra sem quartel, e que
conta com vários tipos de iniciativas, antecipações de processos e
ilegalidades.
Pelo
outro lado, as elites predatórias, através do governo Temer e do
Congresso eleito pelo poder econômico, estão destruindo toda estrutura
da política social e científica do Brasil, assim como os direitos
trabalhistas e o conteúdo estratégico nacional da economia. O objetivo é
claro: aprofundar a condição do Brasil de país de mão de obra barata e
abundante e desprotegida de direitos para que ela seja usada por
multinacionais, repetindo aquilo que a China foi no passado. Ocorre que a
China tinha um projeto estratégico de industrialização e de inserção
global, algo que o Brasil não tem. Na China, o processo foi comandado
por um Estado forte, exigindo contrapartidas tecnológicas, e aqui os
trabalhadores estão sendo entregues de bandeja à sanha do capital.
Hoje
existem no país 106 milhões de pessoas que vivem com até um salário
mínimo,sendo que destes 50 milhões vivem com até R$ 387 por mês e 15
milhões com até R$ 100. A devastação da mão de obra brasileira será
ainda maior se triunfarem os projetos do PSDB e do centrão, do MDB ou do
Bolsonaro. Os empregos serão de curta duração, os salários serão ainda
mais baixos, o desemprego alto e os direitos ainda mais precários. A par
disso, o petróleo, a água, a Amazônia e os minérios continuarão sendo
entregue para a rapina do capital internacional. Este é o projeto que
está em curso e que conta com o respaldo da elites do funcionalismo
público, dos juízes, dos procuradores, dos delegados e de alguns
generais.
As
condições de vida, de trabalho e de renda, o desemprego, estão levando
as pessoas ao desespero social, a um beco sem saída existencial. A
expansão do crime organizado e as explosões sociais tendem a se
multiplicar. A degradação social está se tornando generalizada. Trata-se
de condições de vida insuportáveis e inaceitáveis. Diante disso, é
preciso estabelecer uma ligação ampla, sólida e organizada entre os
perseguidos políticos e os excluídos sociais, pois o que está em jogo é a
sobrevivência ou uma vida miserável, a luta ou a perda da dignidade.
Manter Lula na cadeia e impedido de concorrer também é um elemento da
estratégia para alargar o contingente da mão de obra barata e sem
direitos. Assim, o Judiciário e as elites predatórias e seus serviçais
no Estado e na grande mídia estão empurrando o Brasil para uma única
saída: a rebelião.
Algo
de muito errado aconteceu com o Brasil porque foram feitas coisas muito
erradas. Num futuro próximo isto terá que ser analisado e criticado.
Quando, na política, pontificam e têm espaço tipos como Bolsonaro, Cabo
Dalciolo, Álvaro Dia, Amoedo e que tais, é porque a alma cívica do país
ou está muito doente ou já está morta. A expulsão de venezuelano, o
assassinato de mulheres, a violência generalizada são sintomas da nossa
morte cívica.
É
preciso reagir com vigor e barrar esse processo inescrupuloso e
criminoso de destruição do Brasil e da dignidade do seu povo. É melhor
lutar com coragem do que morrer sem dignidade. O medo da degradação e da
morte indigna deve nos atormentar todos os dias. Existem altas razões
que nos indicam que devemos temer o pior para o Brasil e para seu povo.
Mas temer o pior, na maior parte das vezes, é a condição principal para
combater, enfrentar o mal. Temos razões para estar aflitos. E não raras
vezes, a coragem nasce dos temores que afligem os nossos corações.
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
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