Dois anos depois do golpe, direita tradicional patina. População percebe fracasso de seu programa. Mas reverter as medidas exigirá enorme esforço e sabedoria — nas eleições e depois
Por Paulo Kliass
A aproximação crescente da data das
eleições parece provocar um aumento na taxa de desespero dos setores
ligados ao financismo e às elites mais reacionárias e conservadoras de
nosso País. Afinal, quando se aventuraram pela estratégia
desestabilizadora do “golpeachment”, não poderiam jamais imaginar que o
cenário às vésperas do pleito de 2018 fosse o que vivemos atualmente.
Desde o momento em que se viram
frustradas com o anúncio oficial da derrota de Aécio Neves em outubro de
2014, as forças políticas capitaneadas pelo PSDB atraíram o PMDB de
Temer e demais partidos da sopa de letrinhas do fisiologismo para a
deposição a qualquer custo da presidenta recém-eleita. Em seu sonho
idealizado do processo, bastaria primeiro tirar a Dilma que depois todas
as portas do paraíso se abririam para um tranquilo e folgado retorno ao
poder, do qual o povo os havia retirado pelo voto em 2002. E, vale a
pena recordar, essa opção havia sido reconfirmada também de forma
sucessiva em 2006, 2010 e 2014.
Para tanto, os integrantes da elite foram
convencidos pelos formadores de opinião do mundo das finanças de que um
“esforço duro e responsável” seria mais do que suficiente para
recolocar a economia nos eixos e abrir o caminho para a vitória
eleitoral na sequência. Assim, a indicação tão sonhada da duplinha
dinâmica do sistema da banca no comando da economia foi comemorada com
fogos de artifício. Representantes do Bank of Boston e Itáu/Unibanco
passaram a compartilhar as cadeiras do Ministério da Fazenda e do Banco
Central. Afinal, não tinha como dar errado a opção pela “competência
técnica e profissional” de Meirelles & Goldfajn. Ambos se puseram em
campo a serviço do aprofundamento de um ajuste que já havia sido
iniciado em 2015 por Joaquim Levy.
No entanto, a questão mais relevante é
que não se tratava tão somente de um plano de estabilização de natureza
ortodoxa. A implementação do “austericídio” foi muito mais além do que
simplesmente a trágica combinação de juros elevados na política
monetária e rigor assassino no controle de gastos na política fiscal. As
propostas urdidas pela fina flor do financismo tucano no interior da Casa das Garças e as ideias contidas no documento sintetizado pelo PMDB como a “Ponte para o Futuro” protagonizaram também uma estratégia de desmonte das políticas sociais construídas desde o processo constituinte de 1988.
Austericídio e destruição
Não contentes em promover o ajuste
radical nas contas do Orçamento, os estrategistas do liberalismo
financista construíram a narrativa da necessidade de redução do setor
público brasileiro. O argumento surrado, levado mais uma vez à exaustão
pelos comentaristas dos grandes meios de comunicação, insistiam com a
tese de que o arremedo de Estado de Bem Estar Social, ainda que chinfrim
em nossas terras, era incompatível com a nossa capacidade
arrecadatória. Bingo! Não haveria outra alternativa senão privatizar e
liberalizar ainda mais a economia.
Assim, não se tratava apenas de promover a
já criminosa política de redução dos programas de natureza social do
governo e também da drástica queda no patamar dos investimentos a serem
realizados pelo setor público. A nova estratégia implicava aprofundar a
transferência de ativos do Estado para o capital privado e a opção
prioritária por esse tipo de empreendimento para os novos investimentos
em infra estrutura e serviços públicos de forma geral.
Colocaram-se em marcha os destruidores.
Sua intenção primeira se caracteriza pela demolição do arcabouço
público, institucional e produtivo construído desde a época de Getúlio,
Juscelino e Jango. Esse processo, na verdade, vem desde antes, com a
surpreendente obsessão política e ideológica de Fernando Henrique Cardoso em colocar um fim à chamada era Vargas.
Na fase atual a destruição vem com a privatização de empresas públicas
ainda existentes, com a concessão desenfreada de oportunidades de
acumulação de capital ao setor privado, a abertura dos empreendimentos
ao capital estrangeiro e com o reforço do setor financeiro no processo
de consolidação do bloco hegemônico em nossa economia capitalista.
Os efeitos desastrosos de tal opção de
política econômica estão mais do que presentes no desemprego
avassalador, nas falências, das empresas, no processo de
desindustrialização e na destruição da capacidade de o Estado brasileiro
dar conta minimamente de suas atribuições constitucionais e de lançar
as bases para superar a crise que se aprofunda e se alonga por uma
eternidade. A flexibilização da legislação trabalhista vem como a cereja
do bolo para o deleite do empresariado que clama sempre contra a
presença do Estado, mas que não hesita em buscar refúgio em suas
benesses e facilidades quando se trata de ampliar seus lucros e
preservar seus interesses.
Revogar as medidas da destruição
Para além de passagem avassaladora de
terra arrasada, a estratégia da destruição revelou-se um verdadeiro tiro
no pé dos liberalóides de plantão e dos dirigentes políticos da direita
fisiológica e conservadora. A perversidade provocada no quadro social
está apresentando sua fatura em termos políticos e eleitorais. Não foi
suficiente forjar o processo contra Lula e sua prisão. O ex-presidente
continua líder absoluto nas pesquisas de opinião, o que coloca um
problema no que se refere à sua candidatura. A se manter a conduta
ilegal e abusiva do Judiciário, é possível que ele não consiga estar com
seu nome nas urnas daqui a pouco menos de 3 meses. O risco de aumento
da instabilidade não pode ser descartado.
A maioria da população reconhece os
efeitos perversos da estratégia da destruição e, ao que tudo indica,
postula pelo retorno à estratégia de desenvolvimento inclusivo, com
distribuição de renda e ampliação do mercado interno. Mas, para tanto,
faz-se necessário retomar o protagonismo do setor público na condução da
economia, com a revogação das medidas do governo Temer e a mudança
radical na orientação da política econômica. Os candidatos das forças
progressistas já estão anunciando tal caminho em seus programas de
governo.
Os líderes políticas da direita já se
deram conta disso e quase não são encontrados candidatos dispostos a
reivindicar a paternidade dos malfeitos do governo da destruição. Até
mesmo o pleiteante Henrique Meirelles ensaia
um malabarismo retórico, onde vai buscar sua passagem por 8 anos à
frente do comando do Banco Central, durante os dois mandatos de Lula,
para justificar sua suposta preocupação com o bem estar da população.
Realmente a vida não está nada fácil para quem adentrou a seara do
golpismo e foi co-partícipe de um governo que rasteja em seus índices de
popularidade.
Eleição e retorno ao desenvolvimento
Ao contrário do lema de Juscelino
Kubitschek (50 anos em 5), Temer promoveu um impressionante retrocesso
de mais de 20 anos em apenas 2. O último dado oficial apontado pelo
Ministério da Saúde refere-se ao quadro trágico da mortalidade infantil,
que retornou a um patamar não visto há 26 anos atrás. Isso para não
mencionar os já conhecidos quadros de verdadeira calamidade pública em
áreas como saúde, educação, assistência social, segurança pública e
previdência social, dentre tantas outras.
A obstinação dos destruidores tem
revelado a falência de sua política. O desespero do financismo ao ver o
poder escapar-lhe das mãos pelo voto de outubro aponta para a pressão
sobre os candidatos nanicos quase sem expressão eleitoral, de forma a
que as forças da direita se apresentem de forma unificada em torno de
Alckmin. O único detalhe vai ser a necessidade de combinar com a
população a respeito do impedimento arbitrário da candidatura de Lula e
do convencimento a respeito das vantagens da política de destruição
levada a cabo por seus apoiadores ao longo dos últimos 3 anos.
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