Por
que a teoria econômica de Adam Smith – baseada na suposta virtude
social dos atos egoístas – só pode produzir desigualdade incessante e
colapso ambiental do planeta
Por Richard Smith | Tradução: Inês Castilho e Antonio Martins | Imagem: Klee Benally
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O texto a seguir é um fragmento resumido do ensaio “A economia eco-suicida de Adam Smith”, parte do livro Green Capitalism: The God That Failed [“Capitalismo Verde, o deus fracassado”]
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O texto a seguir é um fragmento resumido do ensaio “A economia eco-suicida de Adam Smith”, parte do livro Green Capitalism: The God That Failed [“Capitalismo Verde, o deus fracassado”]
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Embora
o capitalismo tenha produzido um desenvolvimento sem precedentes, esse
mesmo motor está agora nos conduzindo em direção ao colapso ecológico,
ameaçando destroçar-nos a todos. A economia capitalista de Adam Smith
não pode oferecer solução para a crise porque a crise é o produto da
própria dinâmica de produção movida pela competição por mercado que gera
a crescente acumulação de riqueza e consumo, celebrada pelos
economistas smithianos. Em seu livro O Futuro do Capitalismo, de 1996, Lester Thurow lucidamente captou o impacto socialmente suicida de transferir as decisões econômica aos indivíduos:
“Em
nenhum outro aspecto da vida, o horizonte de tempo do capitalismo é um
problema mais agudo do que na área do ambiente global… O que poderia
fazer uma sociedade capitalista sobre problemas ambientais de longo
prazo, como o aquecimento global ou a redução da camada de ozônio?…
Usando as normas de resolução do capitalismo, a resposta ao que deveria
ser feito hoje para prevenir tais problemas é muito clara – não fazer
nada. Por maiores que possam ser os efeitos negativos, daqui a cinquenta
ou cem anos, o preço que se paga por provocá-los, no presente, é zero. Se o valor corrente das consequências negativas futuras é zero, então, segundo a lógica econômica vigente, nada deveria ser gasto hoje para prevenir que emerjam aqueles
problemas distantes. Mas se os efeitos negativos forem muito grandes
daqui a cinquenta ou cem anos, então será tarde demais para fazer
qualquer coisa capaz de melhorar a situação, já que qualquer coisa a ser feita naquele tempo poderia somente melhorar a situação num futuro distante, de cinquenta ou cem anos. De modo que, se forem bons capitalistas, os que viverem no futuro também decidirão não fazer nada, não importa quão graves sejam seus problemas. Finalmente, chegará uma geração que não poderá sobreviver no ambiente alterado da Terra – mas a essa altura será muito tarde para fazerem qualquer coisa e prevenir
sua própria extinção. Cada geração toma boas decisões capitalistas,
embora o efeito em rede seja o suicídio social coletivo.”
Lester Thurow, quase sozinho entre os economistas mainstream,
reconhece essa contradição fatal do capitalismo – embora ele não seja
anticapitalista e tenha escrito o livro do qual foi retirado o trecho
acima na esperança de encontrar um futuro para o sistema. Até muito
recentemente, os livros didáticos padrão de economia ignoravam
completamente o problema ambiental. Ainda hoje, as obras padrão de
teoria econômica não fazem quase nenhuma menção a meio ambiente
ou ecologia e virtualmente nenhuma consideração séria sobre o problema.
Isso reflete a crescente virada para a direita da ciência econômica,
desde os anos 1970. Em países como os Estados Unidos, a profissão de
economista abandonou desde então a prática do pensamento científico
crítico de visões dissidentes. Hoje, um dogma religioso “neoliberal”
neo-totalitário domina a disciplina. O keynesianismo, o velho
liberalismo, para não mencionar o marxismo, são todos desprezados como
incuravelmente antiquados; a economia ecológica é suspeita e
aconselha-se o estudante de graduação prudente a manter-se longe de tais
interesses, se deseja encontrar um emprego. Como propôs Francis
Fukuyama nos anos 1990, depois do colapso do comunismo, a história teria
atingido seu apogeu no capitalismo de livre mercado e democracia
liberal. A ciência da economia, declarou Fukuyama, foi estabelecida com o
feito de Adam Smith. O futuro traria não mais do que “ajustes técnicos
infinitos”. Nenhum outro pensamento teórico seria necessário ou
precisaria ser solicitado.
Teologia econômica e negação da realidade
Para
os economistas que seguem de Adam Smith, a noção de que há, ou deveria
haver, limites ao crescimento econômico é quase impensável. Porque
admitir que crescimento é um problema seria permitir uma rachadura fatal
em todo o sistema e abriria portas para um desafio a partir da
esquerda. Apesar de suas importantes divergências, os economistas
smithianos, ainda filiam-se, todos, a uma mesma religião: a do “Não é
Possível Parar de Comprar”. Adoram os mesmos ídolos – o crescimento e o
consumo. Na extrema direita, os fundamentalistas de mercado como Milton
Friedman, Gary Becker e adeptos da escola de Chicago simplesmente negam
que haja qualquer problema ambiental – para eles, certamente não é nada
que o mercado não possa resolver. Numa entrevista de 1991, Milton
Friedman tentou ridicularizar os ambientalistas com sua acidez
característica:
“O
movimento ambientalista é composto de duas partes muito distintas. Uma é
formada pelos grupos de conservação tradicionais, que desejam proteger
recursos. A outra é um grupo de pessoas que não estão fundamentalmente
interessadas em poluição. São somente anti-capitalistas de longo prazo,
que aproveitarão cada oportunidade para destruir o sistema capitalista e
a economia de mercado. Costumavam ser comunistas ou socialistas, mas a
história foi ingrata com eles e agora tudo o que podem fazer é reclamar
da poluição. Mas sem a moderna tecnologia, a poluição seria muito pior. A
poluição dos cavalos foi muito pior do que a dos automóveis. Se você
ler descrições das ruas de Nova York no século dezenove…”
E em sua arenga sado-econômica, Free to Choose [“Livres para escolher”], o agressivo anti-comunista queixou-se de que:
“quaisquer que fossem seus objetivos declarados, todos os movimentos das últimas duas décadas – o movimento dos consumidores, o dos ambientalistas, o que propõe o retorno à terra, o que defende a vida selvagem, os hippies, os que não querem o crescimento da população humana, o “small is beautiful”, os anti-nucleares – tiveram sempre algo em comum. Eles opuseram-se a mais desenvolvimento, à inovação industrial, ao uso ampliado dos recursos naturais. Em resposta a estes movimentos, as agências reguladoras impuseram medidas de alto custo para cada vez mais ramos da produção”…
O
negacionismo caipira de Friedman modela, há muito tempo, a extrema
direita da teologia econômica, mas sua afirmação confiante de que o
crescimento infinito é sustentável é compartilhada por todo o espectro
dos economistas mainstrem, ainda que com nuances. Se examinarmos a
extrema esquerda do pensamento econômico “aceitável” – por exemplo,
Paul Krugman –, encontraremos o mesmo mantra segundo o qual “não se pode
interromper o progresso”. Em sua coluna no New York Times, Krugman especula “se não há algo maníaco no ritmo de acumulação – e sobretudo consumo – de riquezas, nos Estados Unidos fin de siècle:
“Mas há um argumento muito poderoso a lançar, em favor do recente consumismo norte-americano: o de que ele pode não ser bom para os consumidores, mas é útil aos produtores. Consumir pode não produzir felicidade – mas cria empregos, e o desemprego é muito eficiente na criação de miséria. É melhor ter consumidores maníacos, no estilo dos Esados Unidos, do que os consumidores depressivos do Japão. Há um forte elemento de disputa entre ratos, no boom econômico dos EUA, impulsionado por consumo, mas são estes ratos disputando em suas gaiolas que mantêm as rodas do comércio em movimento. E embora seja uma vergonha que os norte-americanos continuem a competir sobre quem é capaz de possuir mais brinquedos, o pior de tudo seria a interrupção abrupta de tal competição.”
Krugman
é um economista brilhante, mas as premissas smithnianas de sua
estrutura teórica não lhe permitem enxergar que podemos não ter mais
recursos para produzir todos estes brinquedos.
Aqui
está a questão: o crescimento insaciável e o consumo estão destruindo o
planeta e condenarão a humanidade a longo prazo – mas sem crescimento
incessante da produção e aumento insaciável do consumo, teríamos
colapso, no curto prazo.
Quem se importa pelo Bem Comum
A
teoria econômica de Adam Smith é uma ideia cujo tempo passou. A
especialização, a ausência de planejamento, a produção anárquica para o
mercado, o pensamento focado na maximização dos lucros, às custas de
quaisquer outras considerações, foram um motor que gerou enormes avanços
na produtividade industrial e agrícola – e também a maior acumulação de
riquezas a que o mundo já assistiu. Mas o mesmo motor do
desenvolvimento, agora imensamente maior e funcionando a todo vapor,
está hiperdesenvolvendo a economia do mundo, sobreconsumindo os
recursos, envenenando as águas e a atmosfera com contaminação e
aquecimento e conduzindo-nos ao abismo do colapso econômico – ou da
simples extinção. O erro fatal de Adam Smith – fatal para nós – foi sua
ideia segundo a qual o meio “mais efetivo” de promover o interesse
público, o bem comum da sociedade, é simplesmente ignorá-lo e confiar exclusivamente na busca dos interesses egoísticos individuais.
Em relação ao interesse público na riqueza econômica da sociedade, Smith afirmava que o mercado automaticamente produziria
“opulência universal, que se estende às camadas mais baixas do povo”,
já que “uma abundância geral difunde-se por todos os níveis da
sociedade”. Dificilmente esta tese poderia mostrar-se mais equivocada.
Mais de duzentos anos depois, o desenvolvimento do capitalismo global
produziu a sociedade de desigualdade mais obscena da História, com
metade da população mundial vivendo com menos de dois dólares por dia,
bilhões submersos em miséria desesperadora – muitas vezes mais que toda o
população da Terra ao tempo de Smith – e uma minúscula elite global,
algumas poucas centenas de indivíduos, concentrando uma fatia cada vez
maior da riqueza do mundo e esbanjando-se numa riqueza nunca antes
imaginada. Este fracasso assustador de previsão científica deveria ser
sifuciente para ter ridicularizado a teoria econômica de Smith há muito.
Isso inevitavelmente ocorreria nas ciências naturais, diante de
equívoco comparável.
No
que diz respeito ao interesse público por preocupações sociais mais
amplas, que incluem hoje o ambiente, a filosofia de Smith, baseada no
individualismo como meio para maximizar o interesse público – o
bem comum da sociedade – é, além de um completo equívoco, um convite ao
suicídio. E está em total confronto com os cientistas e corpos
científicos de todo o mundo, que pedem um plano – um plano para
interromper o aquecimento global, para salvar as florestas e oceanos,
para descontaminar o planeta, salvar milhares de espécies da extinção
etc. Mas os economistas capitalistas – mesmos os mais humanos, como Paul
Krugman e Joseph Stiglitz – são hostis à ideia de planejamento
econômico.
As
corporações não são necessariamente más. Mas o problema é que as
decisões críticas que afetam o ambiente – devisões sobre o que e quanto
produzir, sobre o consumo dos recursos, sobre a poluição – não estão
hoje nem nas mãos da sociedade, nem nas dos governos. Estão em mãos
privadas, princiapalmente a das grandes corporações. A
partir da lógica que os orienta, os executivos não têm outra escolha,
exceto tomar decisões sistematicamente erradas. No tempo de Adam Smith,
isso não importava tanto, porque as empresas eram muito pequenas e suas
ações tinham pouco impacto sobre a natureza. Mas hoje, quando enormes
corporações têm o poder, a tecnologia e todo incentivo para derreter as
camadas de gelo, este tema importa. Deixar a economia global nas mãos
das corporações privadas, sujeitas às demandas do mercado, é o caminho
para o eco-suicídio coletivo.
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