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segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Jurídico ou político voto deve ter fundamento, por Sérgio Sérvulo da Cunha.






Discute-se sobre a natureza do processo de impeachment: se é um processo “político” ou um processo “jurídico”.
Processo jurídico seria, por hipótese, um processo disciplinado por regras previamente determinadas, em que se objetiva decidir sobre a incidência e aplicação de uma norma jurídica a um fato x.
Processo político seria, por hipótese, um processo em que se delibera sobre um fato x e no qual, embora possam incidir normas procedimentais, a decisão se toma segundo critérios de conveniência e oportunidade. Ou seja: no processo político, o julgador tem grande margem de discricionariedade.
Digo isso a propósito de notícia que li outro dia no jornal. O senador B., que votou contra o processo em maio, estaria agora disposto a mudar seu voto, por motivos políticos: a seu ver, na situação atual, seria muito difícil, à presidente Dilma Rousseff, dar sequência ao seu governo.
Com todo o respeito, parece-me que o senador não pode fazer isso, sob pena de nulificar seu voto.
Diz a Constituição que o(a) presidente da República será julgado(a) pelo Senado Federal, nos crimes de responsabilidade, nos termos de “lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento”.
Essa é a lei 1079/1950. Não quero discutir, aqui, se ela foi recepcionada ou não pela Constituição de 1988, mas apenas o aspecto que passo agora a examinar.
Diz essa lei que, na sessão de julgamento, cada senador formulará seu voto respondendo a essa pergunta: “cometeu o acusado F. o crime que lhe é imputado e deve ser condenado à perda do seu cargo?"
Sustento que ao senador não basta responder “sim, cometeu o crime de responsabilidade”, ou “não cometeu o crime de responsabilidade”, como poderia fazer antes da Constituição de 1988: ele precisa fundamentar seu voto. A meu ver, para fundamentar seu voto, o senador não precisa explicitar as razões jurídicas do seu convencimento; basta dizer, por exemplo: “nos termos do relatório do Senador Anastasia, cuja fundamentação adoto” (o que será suficiente se o relatório Anastasia tiver fundamentação hábil). Mas não poderá dizer, como caberia num julgamento meramente político: voto sim, porque a acusada não tem condições de dar sequência ao seu governo. Ou: voto sim, pela minha família e pelo meu cachorro Segismundo.
Por que os senadores precisam fundamentar seu voto?
Porque, ao receber esse encargo constitucional, o Senado, embora não se tenha transformado em órgão do poder judiciário, assume funções jurisdicionais.
Independentemente de invocar o art. 93 da Constituição, segundo o qual todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas, peço licença para mencionar o que digo em livro inédito, que escrevi há alguns anos, sobre o dever de fundamentar as decisões jurisdicionais: “além dos princípios da legalidade e da racionalidade objetiva – que informam tanto o Direito material quanto o Direito processual – a necessidade processual de fundamentação decorre imediatamente do princípio do contraditório. No direito de petição, que integra tanto os direitos humanos quanto os direitos fundamentais, incluem-se o direito de ser ouvido, o direito de contraditar, e o direito a uma decisão; esta, para que seja verdadeira decisão – satisfação a quem pede – há de ser fundamentada”.
Para justificar esse entendimento basta-me referir votos proferidos, em outra ocasião, pelos ministros Celso de Mello e Marco Aurélio.
Diz o primeiro: “A exigência de fundamentação das decisões judiciais, mais do que expressiva imposição consagrada e positivada pela nova ordem constitucional (art. 93, IX), reflete uma poderosa garantia contra eventuais excessos do Estado-Juiz, pois ao torná-la elemento imprescindível e essencial dos atos sentenciais, quis o ordenamento jurídico erigi-la como fator de limitação dos poderes deferidos aos magistrados e tribunais”.
E o segundo: “O juiz é um perito na arte de proceder e julgar, devendo enfrentar as matérias suscitadas pelas partes, sob pena de, em vez de examinar no todo o conflito de interesses, simplesmente decidi-lo, em verdadeiro ato de força, olvidando o ditame constitucional da fundamentação, o princípio básico do aperfeiçoamento da prestação jurisdicional”.                                            
De modo que, ao sumariar a votação, na sessão de julgamento do impeachment, a Mesa do Senado, presidida pelo ministro Lewandowski, deverá ter como nulos os votos que não tenham sido fundamentados. E o senador B., se quiser afastar a presidente por motivos meramente políticos, deverá violentar sua consciência antes de responder “sim”.
Sérgio Sérvulo da Cunha - Advogado, autor de várias obras jurídicas. Foi procurador do Estado de São Paulo e chefe de gabinete do Ministério da Justiça.

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