Rússia e Irã advertem – agora com apoio da China: não permitirão
que potências ocidentais reduzam Síria a uma Líbia. Qual o significado,
para a geopolítica global?
Por Pepe Escobar | Tradução Vila Vudu
Os bombardeiros russos Tu-22M3 Backfire – além dos jatos Sukhoi-34 –
decolam do campo de pouso iraniano em Hamadan para bombardear jihadistas
e sortimento variado de “rebeldes moderados” na Síria, e imediatamente
nos vemos diante de movimento geopolítico da mais alta importância, não
previsto, que muda tudo.
Os registros mostram que a última vez que a Rússia esteve
militarmente presente no Irã aconteceu em 1946; e essa é a primeira vez,
desde a Revolução Islâmica de 1979, que o Irã autoriza outra nação a
usar território iraniano para operação militar.
Pode-se apostar que o Pentágono enlouquecerá completamente, feito
gangue de adolescentes mimados furiosos. Já começou, com reclamações de
que o aviso que os russos distribuíram não permitiu tempo suficiente
para “preparação” – quer dizer, para se porem a bradar por todo o
planeta que teria acontecido mais um episódio da “agressão russa”, e,
para piorar, em conluio com “os mulás”. Na sequência, ainda mais
desespero, com Washington a pretender que o Irã teria violado resoluções
do Conselho de Segurança da ONU.
O trabalho e a divulgação feitos por Moscou, por sua vez, foi uma
beleza; trata-se exclusivamente de logística e de reduzir despesas. O
almirante Vladimir Komoyedov, presidente da Comissão de Defesa do
Parlamento e ex-comandante da Frota do Mar Negro, explicou belamente o modus operandi:
“É muito caro e exige muito tempo voar a partir de bases
localizadas na parte europeia da Rússia. A questão do custo de
atividades militares de combate é, atualmente, alta prioridade. Não
podemos ultrapassar o orçamento atual do Ministério da Defesa. Voar
Tu-22s a partir do Irã significa menos combustível e maior capacidade
para carga (…) A Rússia não poderia encontrar país mais adequado e mais
solidário, do ponto de vista da segurança, nessa parte do mundo; e
podemos realizar todos os ataques necessários para pôr fim a essa guerra
(…) Campos de pouso na Síria não são adequados, porque essa localização
exigiria sobrevoo em áreas onde há atividade de combate.”
Não se metam com a Organização de Cooperação de Xangai (OCX)
Assim sendo, tudo ótimo. O Pentágono continuará a espernear.
Sionistas enfurecidos em Israel e wahhabistas fanáticos na Arábia
Saudita farão muito barulho e turbinarão até níveis apocalípticos a
proverbial “ameaça existencial” que lhes viria do Irã. Esses “fatos nos
céus” não podem ser alterados. Especialmente porque, se abrirem caminho
para uma vitória decisiva na batalha por Aleppo Leste, a guerra civil –
imposta de fora para dentro aos sírios – logo estará acabada.
Ali Shamkhani, presidente do Conselho de Segurança Nacional do Irã absolutamente não se engana ao dizer que tudo aí tem a ver com cooperação estratégica Irã-Rússia, numa luta – real – contra o terror de ISIS/ISIL/Daech
terror, e não, como a mídia-empresa ocidental não se cansa de repetir,
com alguma volta do Irã como “agente militar” de uma grande potência.
O primeiro-ministro iraquiano, por sua vez, fez questão de esclarecer que “Autorizei
o sobrevoo dos bombardeiros porque recebemos informação clara sobre
eles. Fazem ataques precisos, evitam baixas entre os civis. Pode-se ter
certeza de que está assegurada a segurança dos civis na Síria“.
Foi a senha para que Bagdá liberasse sem sobressaltos o acesso dos
bombardeiros TU-22M3s russos ao espaço aéreo iraquiano. Passo seguinte
inevitável será a frota russa no Cáspio disparar mísseis cruzadores que
atravessarão espaço aéreo iraniano e iraquiano, para alcançar os tais
“rebeldes” que a av. Beltway em Washington protege na Síria.
E há muito mais.
Um acordo de 2015 firmado entre Moscou e Damasco acaba de ser
ratificado agora pela Rússia. Graças a ele, a base aérea russa em
Khmeimim é convertida em base militar permanente no leste do
Mediterrâneo.[1]
Pequim e Damasco, por sua vez, acabam de firmar laços militares mais
próximos, a partir da ajuda humanitária que os chineses oferecem. E o
pessoal do Exército Árabe Sírio receberá eventualmente instrutores
militares chineses.
Pequim está agora diretamente envolvida na Síria por uma razão chave
de segurança nacional: centenas de uigures uniram-se aos terroristas do
Daech ou se alistaram nas fileiras de Abu Muhammad al-Julani, comandante
da al-Qaeda, e muito prestigiado em Washington como líder do Exército
da Conquista da Síria; esses uigures sempre podem voltar a Xinjiang como
jihadistas.
Há ainda uma deliciosa cereja para esse cheesecake, como o professor de Estudos do Oriente Médio na Universidade de Estudos Internacionais de Xangai, Zhao Weiming, disse ao Global Times: essa nova jogada de poder de Pequim na Síria é o revide, contra a interferência do Pentágono no Mar do Sul da China.
Assim sendo… o que fará Hillary?
Tudo que acima se lê aponta para nova evidência de que, o que antes
foi um elefante branco no meio da sala, a Organização de Cooperação de
Xangai (OCX), passa agora a significar assunto sério.
Quando os “4+1″ (Rússia, Irã, Iraque, Síria, plus Hezbollah)
começaram a partilhar inteligência e procedimentos operacionais, ano
passado, incluindo um centro de coordenação em Bagdá, analistas como
Alistair Cooke e eu vimos naquela ação um embrião do que seria a OCX em
ação. Foi, sem dúvida, já desde o início, uma alternativa ao
imperialismo “humanitário” e à obsessão com mudança de regime, da OTAN.
Pela primeira vez a OTAN já não andava solta e livre pelo mundo, feito
um Robocop descontrolado.
Embora só Rússia e China fossem membros da OCX, com o Irã como
observador, a cooperação envolvida – a pedido de um governo que lutava
contra jihadistas e continuava como alvo de ataque para mudança de regime – já marcou um importante novo fator geopolítico em campo.
Agora, essa variante das Novas Rotas da Seda – Novas Rotas Aéreas da
Seda? – que reúne Rússia, Irã, Iraque e Síria contra, precisamente, o
salafismo-jihadismo, aparece como, mais uma vez, ação acelerada de
integração na Eurásia. Os dois pesos-pesados da OCX, China e Rússia, não
apenas admitirão o Irã como membro pleno, logo no início de 2017; ambos
contam com o Irã como ativo estratégico chave numa batalha contra a
OTAN, e absolutamente não permitirão que a Síria seja convertida numa
nova Líbia. Paralelamente, os movimentos estratégicos da Rússia na
Crimeia e na Síria passam a ser objeto de análise, até os mais ínfimos
detalhes, nas academias militares chinesas.
Progressivamente, a integração da Eurásia vai-se entretecendo com a OCX.
Sejam quais forem os temores de Telavive e Riad – com seus massivos lobbies
em Washington – sobre essa cooperação russo-iraniana de segurança, é a
OTAN quem está lívida. E ainda mais lívida que a OTAN está Hillary
“Rainha da Guerra” Clinton.
Os registros mostram que Hillary manifesta acentuada queda para
tentar despachar Assad como despacharam Gaddafi. No caso de governo
Hillary, pode-se apostar que ela forçará o Pentágono a impor uma zona
aérea de exclusão no norte da Síria e a armar quaisquer remanescentes,
por misturados que sejam, dos tais “rebeldes”, até o Juízo Final.
E há também o Irã. Na campanha eleitoral de 2008 nos EUA, assisti da
plateia ao discurso que Hillary fez na Conferência do AIPAC em
Washington, espetáculo realmente aterrorizante. Partindo da premissa –
falsa – de que o Irã atacaria Israel, disse ela: “Quero que os
iranianos saibam que, se eu for presidenta, atacaremos o Irã. Nos
próximos dez anos, durante os quais podem considerar a loucura de
atacarem Israel, seremos capazes de contê-los totalmente.”
Ah, é?! É mesmo?! E passará por cima da cooperação estratégica
Rússia-Irã? E passará por cima de uma Organização de Cooperação de
Xangai cada vez mais integrada? É? Então venha, Rainha da Guerra.
—
[1] Parece que esse detalhe está mais claramente explicado em “Eixo Teerã-Pequim-Moscou muda tudo”, 21/8/2016, Ruslan Ostashko, PolitRussa (trad. ru-ing. J. Arnoldski) Fort Russ News, traduzido no Blog do Alok [NTs].
Nenhum comentário:
Postar um comentário