Jornal GGN - Em entrevista a Marco Weissheimer
(Sul21), Wanderley Guilherme dos Santos, o cientista político que
antecipou a conjuntura que levaria o Brasil à ditadura militar, disse
que o impeachment de Dilma Rousseff é um golpe muito pior do aquele de
1964. Isso porque, naquela época, a sociedade estava intimidada e os
militares tinham uma agenda minimamente nacionalista. Hoje, o País
parece anestesiado a ponto de aceitar o processo em curso no Senado,
mesmo com evidências claras de que a ideia é impor um projeto
reacionário e antinacionalista.
Segundo Santos, hoje, "(...) os assalariados, de modo geral, com a
ameaça de desemprego, estão muito pouco dispostos a participar de
manifestações com pautas universais, generalizantes", como o combate ao
impeachment por ser uma afronta à Constituição e à democracia. "Só farão
isso por questões específicas. Essa postura obedece a razões materiais
compreensíveis", disse.
Além disso, há a percepção de que "a redefinição programática e de
reajustamento reacionário" atrelada à chegada de Michel Temer ao poder
"é muito forte e pouco vulnerável a pressões externas. Ele tem algumas
instabilidades, como essa briga agora entre Gilmar Mendes e o Ministério
Público Federal, mas elas não transbordarão para uma associação com
quem está de fora. Assim, acredito que essa aparente apatia não é, na
verdade, uma apatia, mas sim uma avaliação bastante pessimista, porém
racional."
Segundo Santos, o impeachment é um jogo que já foi jogado. A derrota
está dada. "O que vai acontecer agora, e já começou a acontecer, como
tem ocorrido em várias democracias sociais no mundo inteiro, é uma
redefinição programática drástica dos contratos de solidariedade social
com uma hegemonia desabrigada da lógica do interesse do capital." O
cientista político citou o "desmanche das políticas sociais construídas a
partir de 2002 e a instalação de uma forma diferente de ler os votos
constitucionais que não são específicos, mas sim declarações de
intenções."
Esse processo em curso é patrocinado por um "bloco reacionário e
sólido" que até admite algumas rusgas internas, mas tem em comum o
objetivo de expulsar a esquerda do jogo político legal por algum tempo.
"O consenso básico deles é: esquerda fora. Esse é o denominador comum
que os unifica."
"Em certo sentido, o golpe atual é pior que o de 64, pois tem um
compromisso antinacional e reacionário muito mais violento que o dos
militares daquela época. Estes tinham uma seção autoritária, mas
comprometida com interesses nacionalistas. Não é o caso agora. Cerca de
90% desse bloco que apoia Temer é profundamente antinacional. Isso não
está acontecendo só aqui, vem acontecendo pelo mundo inteiro depois da
crise de 2008", disse Santos.
"Tudo isso que estou dizendo não significa que nós vamos ficar
olhando para tudo isso de braços cruzados, sem fazer nada. O que estou
fazendo é procurar ver essa conjuntura com um olhar realista, inclusive
para não criar expectativas falsas. As lideranças da esquerda não podem
ficar levantando expectativas falsas que sabem que não poderão cumprir.
Isso é ruim. O que não quer dizer que vamos ficar parados. Nós ficamos
parados durante a ditadura? Não e tampouco ficaremos parados agora. Na
ditadura, não acreditávamos que, em 48 horas, iríamos derrubar os
generais. Nem por isso ficamos parados", completou.
CONSTRUINDO A TEMPESTADE PERFEITA
Na visão de Wanderley Guilherme dos Santos, a crise que derrubou só
corroeu um dos pilares de sustenção de um governo (apoio popular) porque
"um trabalho que vem sendo realizado há alguns anos junto ao
subconsciente da sociedade para cultivar a impressão de que tudo o que
vinha sendo feito desde 2002 era algo paliativo, populista e maligno
para comprar o apoio das classes mais desfavorecidas."
Para ele, "(...) a Lava Jato colheu os frutos desses 13 anos de
cultivo de uma subjetividade disposta a aceitar determinadas coisas. E a
devastação produzida por isso foi muito grande. A imensa maioria das
forças de esquerda não tem nada a ver com o número de pessoas
denunciadas e condenadas pela Lava Jato. Há uma discrepância absoluta aí
e ninguém está se dando conta disso."
Segundo Santos, a militância de esquerda foi atingida pelos
desdobramentos da Lava Jato e, por isso, não teria ocupado as ruas
contra o golpe do impeachment como poderia.
Apesar disso, mesmo que esse seja um dos objetivos dos agentes do
golpe, a Lava Jato deve continuar ainda que Dilma não esteja mais no
poder. "Pode até ser que eles tenham pensado nisso [acabar com a Lava
Jato] em algum momento do processo, mas acho que tomaram gosto pela
coisa. É um poder que, agora, o Gilmar Mendes identificou. É um poder
tirânico, aparentemente dentro da lei. Eu duvido que isso termine tão
cedo."
LULA PERDE EM 2018 E PODE SER PRESO
Questionado sobre a possibilidade do PT virar o jogo e eleger Lula em
2018, surfando na eventual impopularidade de Temer, Santos respondeu
que dificilmente vê a vitória do ex-presidente na próxima eleição. "Eles
não deixarão Lula ganhar essa eleição em hipótese alguma. Não sei como
vão fazer, mas não deixarão. A esquerda não ganhará a eleição em 2018 de
jeito nenhum. O que não quer dizer que a gente não vá mostrar a cara."
Ainda segundo ele, Lula deverá ser preso pela Lava Jato. Com ajuda da
imprensa, a força-tarefa está preparando o terreno para isso. "Estão
preparando o ambiente e o farão quando avaliarem que isso provocará
apenas alguns protestos impotentes. Há um ano, eles não fariam, pois não
daria certo. Eles não estão para brincadeira e vêm trabalhando
sistematicamente para "acostumar" a opinião pública com a ideia da
prisão de Lula. Eles vêm realizando sucessivas ameaças, às quais
reagimos, para ir criando o clima. A ideia é que, ao longo dessas
sucessivas ameaças, a nossa reação vá perdendo força na sociedade."
Nenhum comentário:
Postar um comentário