O sociólogo e economista Jeremy Rifkin (Denver, 1943) previu o fim do trabalho muito antes de todos os ‘think tanks’ do mundo
O sociólogo e economista Jeremy Rifkin (Denver, 1943) previu o fim do trabalho muito antes que todos os think thanks do mundo anunciassem que as máquinas ocupariam a maioria dos postos de trabalho na indústria. Também foi o grande guru do que chama de “terceira revolução industrial”, baseada nas energias sustentáveis e nas consequências da Internet como a economia colaborativa. Trabalhou como consultor para vários governos, da China à Alemanha ou Espanha, e também para a União Europeia. É autor de quase 20 livros, mas, acima de tudo, é uma das vozes mais respeitadas do mundo por suas previsões acertadas. Publicou recentemente The Zero Marginal Cost Society (St. Martin’s Presss) [A Sociedade do Custo Marginal Zero], em que prenuncia um futuro de energia gratuita que mudará completamente o modelo de produção e, assim, a sociedade. Ele não apresenta isso como uma utopia, mas como uma realidade iminente. A entrevista aconteceu em Dallas, durante o congresso internacional do World Travel & Tourism Council (WTTC).
Pergunta. O senhor afirma que em breve teremos energia gratuita. Acredita que os gigantes da energia permitirão que isso aconteça?
Resposta. No ponto em que estamos, é irrelevante o que esses gigantes digam porque isso já está acontecendo. A segunda revolução industrial já atingiu o pico e está em pleno declínio. O elefante na sala é a mudança climática: estamos diante de mudanças radicais no planeta nos próximos 50 anos, não em dois séculos. Precisamos de uma nova abordagem econômica e devemos enfrentar a questão fundamental de como produzimos.
P. Essa terceira revolução parece em algo com as anteriores?
R. Em todas as grandes mudanças econômicas convergiram três fatores: o primeiro é a comunicação; o segundo, as novas fontes de energia que impulsionam a economia; o terceiro as formas inovadoras de transporte que são mais eficazes. Assim, a segunda revolução industrial nasceu nos Estados Unidos com a eletricidade centralizada, o telefone, o rádio e a televisão, e o petróleo barato do Texas. Henry Ford colocou todos na estrada. Isso continuou durante um século, mas em julho de 2008 tudo desabou quando o preço do petróleo atingiu o recorde de 147 dólares o barril. A economia entrou em colapso porque tudo dependia das energias fósseis e nucleares. Com os preços atuais, essas empresas não são competitivas, não podem se manter com preços inferiores a 40 dólares o barril, todas vão à falência. Chegamos ao final da segunda revolução industrial, baseada em combustíveis fósseis.
P. E como isso levará à energia de custo zero?
R. Como a economia vai crescer se estiver conectada a infraestruturas do passado que atingiram seu pico de produtividade nos anos noventa? Já atingiu o máximo, e isso muitos partidos políticos, de esquerda ou de direita, não entendem, embora os empresários estejam começando a entender. Por exemplo, na Espanha, podem ser feitas todas as reformas trabalhistas que se quiser, ou criar incentivos para novos investimentos, mas não fará nenhuma diferença porque as empresas estão conectadas a uma infraestrutura obsoleta.
P. Como se encaixam nisso as novas formas da Internet?
R. O capitalismo ainda não sabe como lidar com essa economia colaborativa. Eu considero que é um novo sistema econômico, assim como foram o capitalismo e o socialismo. Está aqui para ficar, embora agora pareça algo muito nebuloso. Já vimos o que aconteceu com as comunicações, agora vamos ver o que acontece com a energia e os transportes. A tecnologia digital leva a custos marginais próximos de zero. Os jovens estão produzindo e compartilhando sua própria música, o custo de produzir com qualidade de estúdio é quase zero e jovens compartilham o resultado por quase nada. O mesmo acontece com os vídeos. Os jornais e as revistas estão vivendo isso com as redes sociais. As pessoas contribuem para o Wikipedia por nada, o conhecimento do mundo está se democratizando. Muitos pensaram que isso só acontecia no mundo virtual, não no real, mas o que eu afirmo é que quando você aplica isso na Internet das Coisas essa diferença desaparece. Estamos vendo isso na energia, no transporte e na logística. Por exemplo, na Alemanha, com cujo Governo trabalho há décadas, a energia eólica e solar está aumentando muito rapidamente com um custo marginal zero. Em 10 anos será de 40% e até 2040 será de 100%. É um progresso semelhante ao dos microchips dos computadores: nos anos 40, havia um par de computadores e custavam milhões de dólares, mas depois veio o chip Intel e agora temos computadores em telefones que custam 25 dólares na China que são mais poderosos dos que foram usados para enviar o homem à lua. Ainda se ignora que vai acontecer o mesmo processo com a energia solar e eólica: em 1978, um watt solar custava 78 dólares, agora custa 50 centavos. E em 18 meses custará 35 centavos.
P. E como se resolve o problema da acumulação? Porque essa energia exige que haja luz ou vento...
R. Chegaremos a isso. Uma vez que se paga pela infraestrutura, depois os custos são zero. O vento ou a luz não nos mandam a conta. Há vários fatores fundamentais que determinam que isso funcione, um deles é a conectividade necessária para o transporte e a logística. Temos que fazer todos ao mesmo tempo. A Alemanha e a Dinamarca estão se movimentando muito mais rápido do que outros e estão tendo sucesso. No ano passado, um dia houve tanta energia solar e eólica que tivemos preços negativos. É grátis. Insisto: não é uma teoria.
P. Que outros países estão na liderança?
R. A China está ciente de que perdeu a primeira revolução industrial e parte da segunda. Estou viajando constantemente para lá e agora eles reagem muito rápido. Investem muito na digitalização da eletricidade, de modo que milhões de chineses possam produzir sua própria energia solar e colocá-la na rede. Ninguém fala sobre isso.
P. Que implicações isso terá?
R. Quando tivermos toda essa energia será possível o transporte sem motorista via GPS. Os jovens estão evoluindo da propriedade de veículos ao acesso à mobilidade. É uma mudança gigantesca no conceito de transporte, acelerado pelo negócio de carros compartilhados. As empresas estão conscientes de que cada vez mais circularão menos carros: para cada veículo compartilhado, 25 são eliminados. Os carros representam o terceiro maior emissor de carbono. Acredito que isso acabará eliminando 90% dos automóveis e a imensa maioria dos que restarem será de veículos elétricos sem motorista. Não só os veículos terrestres como carros e trens, mas também no oceano.
P. Essas mudanças chegarão a tempo? Porque a poluição que afeta as grandes cidades chinesas ou no México está tornando inabitáveis esses lugares.
R. Eu sinceramente não sei. O relógio avança a toda velocidade. Trabalho com isso desde os anos 70 e ninguém antecipou o ciclo que estava sendo criado. O estudo mais recente, publicado na Science em março, afirma que o derretimento da Antártida é muito mais rápido do que pensamos e que as correntes de água mudarão, produzindo tempestades gigantescas em todo o planeta, nunca vistas antes. Dentro de um século, muitas cidades costeiras estarão sob a água. A humanidade está enfrentando o momento mais decisivo e terrível da sua história como espécie. Por outro lado, as tecnologias que nos ajudam a combater isso podem avançar muito nas próximas décadas ou anos. Inclusive ainda mais no mundo em desenvolvimento porque carece de infraestruturas. Precisamos de três gerações totalmente comprometidas, não cometer muitos erros e uma boa liderança.
P. Todas as suas teorias parecem muito mais fáceis de aplicar em países desenvolvidos. As ideias para transformar Copenhagen na cidade mais verde do mundo não parecem fáceis de replicar no México ou em Pequim.
R. Estou trabalhando com o Governo chinês. O que eu digo lá e também na União Europeia é que estão construindo um mundo novo, mas continuam investindo em infraestruturas pertencentes à segunda revolução industrial, não à terceira. É preciso mudar as prioridades. Que tipo de cidade estamos construindo? Com a terceira revolução industrial, não há nenhuma razão pela qual não possamos construir cidades menores dentro das grandes metrópoles, cidades-satélites, e com imensas reservas ecológicas entre elas. Podemos realizar reflorestamentos maciços em cidades entre meio milhão e dois milhões de habitantes. E isso poderá ser feito porque poderemos nos mover de um lugar para outro de forma mais rápida e limpa. Os carros como conhecemos hoje não estarão aqui dentro de 20 anos.
Pergunta. O senhor afirma que em breve teremos energia gratuita. Acredita que os gigantes da energia permitirão que isso aconteça?
Resposta. No ponto em que estamos, é irrelevante o que esses gigantes digam porque isso já está acontecendo. A segunda revolução industrial já atingiu o pico e está em pleno declínio. O elefante na sala é a mudança climática: estamos diante de mudanças radicais no planeta nos próximos 50 anos, não em dois séculos. Precisamos de uma nova abordagem econômica e devemos enfrentar a questão fundamental de como produzimos.
P. Essa terceira revolução parece em algo com as anteriores?
R. Em todas as grandes mudanças econômicas convergiram três fatores: o primeiro é a comunicação; o segundo, as novas fontes de energia que impulsionam a economia; o terceiro as formas inovadoras de transporte que são mais eficazes. Assim, a segunda revolução industrial nasceu nos Estados Unidos com a eletricidade centralizada, o telefone, o rádio e a televisão, e o petróleo barato do Texas. Henry Ford colocou todos na estrada. Isso continuou durante um século, mas em julho de 2008 tudo desabou quando o preço do petróleo atingiu o recorde de 147 dólares o barril. A economia entrou em colapso porque tudo dependia das energias fósseis e nucleares. Com os preços atuais, essas empresas não são competitivas, não podem se manter com preços inferiores a 40 dólares o barril, todas vão à falência. Chegamos ao final da segunda revolução industrial, baseada em combustíveis fósseis.
P. E como isso levará à energia de custo zero?
R. Como a economia vai crescer se estiver conectada a infraestruturas do passado que atingiram seu pico de produtividade nos anos noventa? Já atingiu o máximo, e isso muitos partidos políticos, de esquerda ou de direita, não entendem, embora os empresários estejam começando a entender. Por exemplo, na Espanha, podem ser feitas todas as reformas trabalhistas que se quiser, ou criar incentivos para novos investimentos, mas não fará nenhuma diferença porque as empresas estão conectadas a uma infraestrutura obsoleta.
P. Como se encaixam nisso as novas formas da Internet?
R. O capitalismo ainda não sabe como lidar com essa economia colaborativa. Eu considero que é um novo sistema econômico, assim como foram o capitalismo e o socialismo. Está aqui para ficar, embora agora pareça algo muito nebuloso. Já vimos o que aconteceu com as comunicações, agora vamos ver o que acontece com a energia e os transportes. A tecnologia digital leva a custos marginais próximos de zero. Os jovens estão produzindo e compartilhando sua própria música, o custo de produzir com qualidade de estúdio é quase zero e jovens compartilham o resultado por quase nada. O mesmo acontece com os vídeos. Os jornais e as revistas estão vivendo isso com as redes sociais. As pessoas contribuem para o Wikipedia por nada, o conhecimento do mundo está se democratizando. Muitos pensaram que isso só acontecia no mundo virtual, não no real, mas o que eu afirmo é que quando você aplica isso na Internet das Coisas essa diferença desaparece. Estamos vendo isso na energia, no transporte e na logística. Por exemplo, na Alemanha, com cujo Governo trabalho há décadas, a energia eólica e solar está aumentando muito rapidamente com um custo marginal zero. Em 10 anos será de 40% e até 2040 será de 100%. É um progresso semelhante ao dos microchips dos computadores: nos anos 40, havia um par de computadores e custavam milhões de dólares, mas depois veio o chip Intel e agora temos computadores em telefones que custam 25 dólares na China que são mais poderosos dos que foram usados para enviar o homem à lua. Ainda se ignora que vai acontecer o mesmo processo com a energia solar e eólica: em 1978, um watt solar custava 78 dólares, agora custa 50 centavos. E em 18 meses custará 35 centavos.
P. E como se resolve o problema da acumulação? Porque essa energia exige que haja luz ou vento...
R. Chegaremos a isso. Uma vez que se paga pela infraestrutura, depois os custos são zero. O vento ou a luz não nos mandam a conta. Há vários fatores fundamentais que determinam que isso funcione, um deles é a conectividade necessária para o transporte e a logística. Temos que fazer todos ao mesmo tempo. A Alemanha e a Dinamarca estão se movimentando muito mais rápido do que outros e estão tendo sucesso. No ano passado, um dia houve tanta energia solar e eólica que tivemos preços negativos. É grátis. Insisto: não é uma teoria.
P. Que outros países estão na liderança?
R. A China está ciente de que perdeu a primeira revolução industrial e parte da segunda. Estou viajando constantemente para lá e agora eles reagem muito rápido. Investem muito na digitalização da eletricidade, de modo que milhões de chineses possam produzir sua própria energia solar e colocá-la na rede. Ninguém fala sobre isso.
P. Que implicações isso terá?
R. Quando tivermos toda essa energia será possível o transporte sem motorista via GPS. Os jovens estão evoluindo da propriedade de veículos ao acesso à mobilidade. É uma mudança gigantesca no conceito de transporte, acelerado pelo negócio de carros compartilhados. As empresas estão conscientes de que cada vez mais circularão menos carros: para cada veículo compartilhado, 25 são eliminados. Os carros representam o terceiro maior emissor de carbono. Acredito que isso acabará eliminando 90% dos automóveis e a imensa maioria dos que restarem será de veículos elétricos sem motorista. Não só os veículos terrestres como carros e trens, mas também no oceano.
P. Essas mudanças chegarão a tempo? Porque a poluição que afeta as grandes cidades chinesas ou no México está tornando inabitáveis esses lugares.
R. Eu sinceramente não sei. O relógio avança a toda velocidade. Trabalho com isso desde os anos 70 e ninguém antecipou o ciclo que estava sendo criado. O estudo mais recente, publicado na Science em março, afirma que o derretimento da Antártida é muito mais rápido do que pensamos e que as correntes de água mudarão, produzindo tempestades gigantescas em todo o planeta, nunca vistas antes. Dentro de um século, muitas cidades costeiras estarão sob a água. A humanidade está enfrentando o momento mais decisivo e terrível da sua história como espécie. Por outro lado, as tecnologias que nos ajudam a combater isso podem avançar muito nas próximas décadas ou anos. Inclusive ainda mais no mundo em desenvolvimento porque carece de infraestruturas. Precisamos de três gerações totalmente comprometidas, não cometer muitos erros e uma boa liderança.
P. Todas as suas teorias parecem muito mais fáceis de aplicar em países desenvolvidos. As ideias para transformar Copenhagen na cidade mais verde do mundo não parecem fáceis de replicar no México ou em Pequim.
R. Estou trabalhando com o Governo chinês. O que eu digo lá e também na União Europeia é que estão construindo um mundo novo, mas continuam investindo em infraestruturas pertencentes à segunda revolução industrial, não à terceira. É preciso mudar as prioridades. Que tipo de cidade estamos construindo? Com a terceira revolução industrial, não há nenhuma razão pela qual não possamos construir cidades menores dentro das grandes metrópoles, cidades-satélites, e com imensas reservas ecológicas entre elas. Podemos realizar reflorestamentos maciços em cidades entre meio milhão e dois milhões de habitantes. E isso poderá ser feito porque poderemos nos mover de um lugar para outro de forma mais rápida e limpa. Os carros como conhecemos hoje não estarão aqui dentro de 20 anos.
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